A MESA DA PALAVRA
Domingo de Ramos e da Paixão do Senhor
Itumbiara, 13 de abril de 2025
“Hosana ao Filho de Davi”
A. A Bênção e Procissão dos Ramos
“Cristo é o centro do universo, o esplendor da glória do Pai, o caminho para Deus”
Queridos irmãos,
Com esta liturgia tão especial damos início à Semana Santa, a começar pela entrada solene de Jesus em Jerusalém para celebrar a Páscoa com os seus discípulos. Seria a conclusão do seu ministério público para viver a Páscoa, não já como um entre outros, mas como o único e verdadeiro Cordeiro que tira o pecado do mundo.
Aqui no Brasil, após refletir durante quarenta dias sobre temas inspirados na relação entre “Fraternidade e Ecologia Integral”, a Igreja encerra a Campanha da Fraternidade 2025.
Tivemos ocasião de suplicar ao Senhor que nos dê olhos novos para contemplar o mistério da criação, lugar em que podemos viver a nossa vocação universal à santidade. Esta contemplação nos ajuda a ver o mundo como Deus nos vê segundo o relato do sexto dia da Criação: “Deus viu que tudo era muito bom” (Gn 1,31).
A Cruz de Cristo não redime apenas o ser humano individual, mas inaugura a reconciliação de toda a criação: “Deus quis reconciliar consigo todos os seres, os do céu e os da terra, estabelecendo a paz pelo sangue da sua cruz” (Cl 1,20). A divina revelação já nos dá o fundamento do apelo à conversão ecológica integral ensinada por Bento XVI como parte da responsabilidade cristã pelo bem comum. Esta mesma exigência, o Papa Francisco a explicitou com vigor na Laudato Si’.
A Cruz nos ensina que não há amor verdadeiro sem renúncia, sem sacrifício, sem compromisso com o bem comum. Da mesma forma, aquela que o Magistério da Igreja chama “ecologia integral” não se sustenta sem mudança de estilo de vida, sem rever nossos hábitos, sem solidariedade ecológica e social. Este tempo de quaresma nos ajudou a considerar de novo as coisas criadas como o lar do qual fazemos parte, como “casa comum” em que nos exercitamos na fraternidade, na contemplação, no louvor a Deus e na oferta dos frutos da terra na mesa do Senhor.
Os frutos da coleta de hoje serão empregados nas obras de misericórdia de nossa Diocese e nos projetos aprovados pelo Fundo Nacional de Solidariedade. Algumas obras sociais presentes na nossa Diocese também já foram contempladas com preciosos auxílios por este Fundo.
Irmãos, antes de entrarmos na nossa Catedral para meditar na sagrada Paixão de nosso Senhor, acolhemos a narração da entrada de Jesus em Jerusalém conforme narra São Lucas (Lc 19,28-40). Sua entrada é ao mesmo tempo solene e paradoxal. Jesus é aclamado como Rei, mas não vem montado num cavalo de guerra, como os reis da terra, e sim num jumentinho, símbolo da paz, da humildade e da mansidão profética (cf. Zc 9,9).
A multidão estende seus mantos no caminho e louva a Deus em alta voz, reconhecendo que o Reino de Deus está perto. E quando os fariseus pedem a Jesus que repreenda os discípulos, Ele responde: “Se eles se calarem, as pedras gritarão!” (Lc 19,40). Uma resposta que ecoa profeticamente a verdade de que a criação inteira reconhece o seu Senhor. Essa aclamação inicial antecipa o drama que se seguirá: os mesmos que o louvam hoje, podem amanhã traí-lo. Por isso, este evangelho não é apenas o anúncio de um ato festivo, mas um convite à sinceridade e à conversão. Somos convidados a segui-Lo com fidelidade, não apenas com entusiasmo passageiro.
São Boaventura nos ensina que, ao entrar assim em Jerusalém, Jesus se entrega como Rei da humildade, Senhor da paz, Príncipe da nova criação. Desse modo, ele nos ensina que a realeza divina se manifesta sobretudo no serviço, não na dominação. Justamente por passar pela Cruz, “Christus est centrum universi, splendor gloriae Patris, via hominis ad Deum” (Collationes in Hexaëmeron, col. V, cf. ed. Quaracchi, t. V, p. 332): Cristo é verdadeiramente o centro do universo, o esplendor da glória do Pai, o caminho seguro do homem para Deus. Também nas suas pregações, como no Sermo de Passione Domini, São Boaventura medita sobre a humildade de Cristo que entra em Jerusalém como verdadeiro Rei da paz.
A partir desta procissão que estamos para iniciar, a Liturgia nos introduz no mistério de entrega total de Jesus. Aclamado como Rei, ele será coroado de espinhos. Aclamado com “Hosana”, será condenado ao “Crucifica-o”. Preparemo-nos para entrarmos espiritualmente com o Senhor em Jerusalém, para percorrer com Ele o caminho doloroso da Cruz até ao encontro luminoso com Ele Ressuscitado. Procedamos em paz com o Senhor.
B. Missa da Sagrada Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo
“Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lc 23,34)
Irmãos,
A liturgia de hoje impõe sobriedade e um sagrado silêncio ante os sofrimentos do Senhor. Impõe também sabedoria filial para compreendermos que o Pai não quer o sofrimento do Filho por si mesmo. Ele o acolhe como obra de justificação da humanidade inteira pelo sacrifício do único Inocente. É o coração da obra redentora, pelo chamado sacrifício vicário. Cristo, “Deus o faz pecado por nós”.
Com sobriedade e silêncio interior, com a sabedoria da escuta contemplativa, deixemo-nos salvar pelo Senhor.
I. “Concedei-nos aprender os ensinamentos de sua Paixão e participar da sua Ressurreição” (Coleta)
Ao entrarmos nesta igreja mãe da nossa Diocese, proclamei em nome da Igreja aqui congregada a belíssima oração da coleta. Ela nos ensina qual caminho percorrer para viver a alegria pascal. Ouçamo-la de novo com atenção: “Deus eterno e todo-poderoso, para dar ao gênero humano um exemplo de humildade, quisestes que o nosso Salvador assumisse a condição humana e morresse na cruz. Concedei-nos aprender os ensinamentos de sua Paixão e participar da sua Ressurreição”.
Esta oração esteve presente em vários missais desde priscas eras. Ela estava nos Ordines Romani, no Gelasiano, no Hadrianeu, passando pelo de São Pio V. Finalmente passou pelo missal de João XXIII em 1962 e chegou a nós quase sem retoques, recolhendo o sentido desta celebração tão singular. Ela tem raízes bíblicas evidentes nos temas que abarca; é uma síntese teológica e espiritual bem afinada com a liturgia de hoje. Ela nos ensina que a humildade de Cristo é a escola do verdadeiro discípulo. A cruz é a árvore da vida onde brota o fruto da salvação. E todo aquele que deseja ressuscitar com Ele, deve antes carregar com Ele o lenho do amor sacrificial.
II. “Não desviei meu rosto de bofetões e cusparadas” (Is. 50,6)
Israel está, há já muitos anos, exilado na Babilônia. Cresce nos exilados o pensamento de que Deus os abandonou. Isaías, no entanto, procura reconfortar o povo e o consola com o anúncio de que a libertação está próxima. Ele fala de uma personagem misteriosa, o Servo de Javé. A sua fidelidade ao desígnio de Deus lhe traz sofrimento: é o Servo sofredor. Com mansidão ele se sujeita aos bofetões e cusparadas, como acontecerá mais tarde com Jesus na sua paixão.
No entanto, ele triunfa do sofrimento e Deus faz dele instrumento de salvação. Não é difícil entender por qual razão a Igreja sempre viu neste Servo uma prefiguração profética de Jesus. Na paixão de Cristo se realiza plenamente a profecia dos Cânticos do Servo e o valor redentor dos sofrimentos do Senhor.
Do Salmo 21, que nesta liturgia nos ajuda a entrar no clima da paixão, Jesus crucificado toma em um brado a seguinte frase “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?”. Este grito da dor da solidão da cruz se encontra num salmo de confiança; é uma proclamação da confiança na justiça de Deus que não abandona na fragilidade os seus escolhidos.
III. “Humilhou-se a si mesmo, fazendo-se obediente até a morte e morte de cruz” (Flp 2,8).
São Paulo não esconde o carinho especial que nutria pelos cristãos de Filipos (Grécia), pelo modo comprometido como viviam a fé em Jesus. Na Igreja de Filipos, havia muitos membros provenientes de Roma (Capital do Império) e, mais em geral, da península itálica. Estes tinham uma certa altivez e se consideravam superiores em relação aos irmãos naturais da Grécia. Movido pelo carinho e pela solicitude paterna, Paulo propõe uma delicada correção. O Apóstolo lhes apresenta Jesus como exemplo a ser seguido: a sua kenosis, a sua obediência até à morte, e morte de Cruz que se tornam a causa de sua exaltação pelo Pai.
Não deixemos de contemplar o amor redentor do Senhor, manifestado na Cruz, nesta bela imagem da nossa Cruz jubilar. A nossa esperança que não decepciona é Cristo, e Cristo Crucificado. Nele encontramos misericórdia e indulgência.
IV. “Eli, Eli, lamá sabactani”: A Paixão: humildade, silêncio e oblação
Irmãos, se o Evangelho do início da celebração recordava-nos a forma como Jesus foi recebido em Jerusalém. O povo cheio de euforia o aclamou como descendente de Davi e, muitos dos presentes esperavam que Ele incitasse uma revolta contra os invasores romanos, para purificar a Terra Santa, expulsando os idólatras. Esta era a imagem do Messias esperado pelo povo. Mas Jesus não se presta a esse engano.
O relato da Paixão segundo São Lucas é marcado por uma ternura singular. Nele, Jesus aparece como o justo sofredor que perdoa, que consola, que permanece fiel ao amor até o fim. Tudo isso expressa o significado do nome Jesus: Javé Salva.
“Eli, Eli, Lama Sabactani”. Com estas palavras difíceis, Jesus nos remete ao Salmo 21 que exprime a dor da solidão da Cruz, mas ao mesmo tempo se conclui com a confiança na justiça de Deus. O nosso Redentor não se esquivou da Cruz para realizar
O rosto desse Messias redentor aparece palavras proclamadas por Jesus no Evangelho segundo São Lucas. Vejamos algumas que aparecem só em Lucas: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lc 23,34) — diz Jesus num gesto extremo de compaixão por aqueles que O crucificam. São João Crisóstomo, ao comentar este mistério da salvação, nos diz: “O Senhor não esperou que os algozes se arrependessem, mas preveniu-lhes com o perdão. Não disse: ‘Castiga-os, ó Pai’, mas: ‘Perdoa-lhes’” (Homilia sobre a Paixão, n. 1; PG 49, col. 403).
Outro dito de Jesus: “Hoje estarás comigo no Paraíso” (Lc 23,43) — diz Ele ao bom ladrão, como expressão máxima da misericórdia divina no momento da morte. O mesmo Crisóstomo afirma que este perdão antecipado de Cristo “abriu as portas do Paraíso antes mesmo que Adão fosse reintegrado”, pois ao bom ladrão foi prometido o Céu não após a ressurreição, mas “hoje mesmo”. A misericórdia do crucificado não tem limites.
No mesmo Evangelho lemos ainda as palavras da entrega total ao Pai: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23,46), ditas com confiança serena, sem desespero, mesmo no ápice do sofrimento.
Lucas nos mostra que, precisamente na cruz, Jesus realiza até ao fim a sua missão de salvar, acolher, consolar e perdoar. Sua realeza não se manifesta em poder terreno, mas na soberania do amor, amor do Sevo Sofredor, que reconcilia. A cruz torna-se trono, e o condenado revela-se Rei.
Nesta Semana Santa teremos ocasião de meditar mais detidamente sobre o mistério doloroso da nossa redenção, especialmente sobre quem verdadeiramente é Jesus e qual é a sua revolução.
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Do alto da cruz, Cristo nos dá sua Mãe Maria Santíssima como Mãe da nova humanidade. Ela, a Cheia de Graça, é também Mãe da criação renovada, Mãe dos viventes. Com Maria, sigamos até o Calvário, para que, ao final desta semana santa, possamos ouvir o anúncio pascal: “Ele vive!” — e com Ele, tudo renasce.
Sejamos, pois, com Cristo, semeadores da vida nova, cuidadores da casa comum, irmãos de toda criatura, discípulos da cruz redentora.
Hosana ao Filho de Davi, Hosana ao Rei dos humildes! Hosana Àquele que tudo renova! Amém.