A MESA DA PALAVRA
Dom José Aparecido Gonçalves de Almeida
Ordenação Presbiteral do Diácono VINÍCIUS GUSTAVO NASCIMENTO OLIVEIRA
Sábado, 3 de agosto de 2024
“Manete in dilectione mea” (Jo 15,9)
Caríssimo Mons. José Luiz, Reverendíssimo Pároco desta Sé de Itumbiara, Igreja mãe de toda a nossa Diocese, Prezados Presbíteros e Diáconos, irmãos no sagrado ministério de Itumbiara e provenientes de outras dioceses, Estimados familiares do Diác. Vinícius Gustavo, Irmãos e irmãs em Cristo,
Querido filho Vinícius Gustavo,
I. “Senhor … instituístes o ministério dos sacerdotes” (Coleta)
A nossa Diocese, embora participando no luto das dioceses de Anápolis e Formosa pelo prematuro passamento de Dom Dilmo à casa do Pai, vive um momento de profunda alegria porque um de seus filhos será daqui a pouco introduzido na ordem sacerdotal como presbítero. Deus não abandona o Seu povo e suscita os pastores pelos quais todos os dias suplicamos: “Enviai, Senhor, muitos operários para a vossa messe, pois a messe é grande e poucos os operários”.
Por isso, de hoje em diante, mesmo os mais próximos, honrarão no nosso irmão Vinícius o sacerdócio de Nosso Senhor que ele está para receber, tratando-o com afeto e respeito já não simplesmente pelo nome de batismo, Vinícius, mas como Padre Vinícius. Eu mesmo, o tratarei assim, Padre Vinícius, eu mesmo lhe pedirei por primeiro a bênção sacerdotal. O nosso querido irmão e amigo Vinícius agora passa a ser o nosso querido Padre Vinícius.
E por que tal deferência? Nós católicos não podemos ignorar no tratamento cordial e amigável a grande maravilha que Deus está para operar na alma do Diácono Vinícius. Não se trata de salientar privilégios clericais, mas de manifestar nossa gratidão ao Bom Deus, do mesmo modo como agradecemos pelas águas do Batismo, pela unção da Confirmação, pela aliança dos matrimônios, pela misericórdia manifestada nas Confissões, pelo consolo da Unção dos enfermos. Em tudo somos gratos reconhecendo a maravilhosa paternidade de Deus que nos insere no corpo de Cristo e nos torna filhos amados.
A graça do Batismo nos coloca em uma condição de igualdade radical diante de Deus: somos filhos em Cristo. A diferença dada pelo sacramento da ordem, embora nos confira autoridade sobre a Igreja, nos dá aquele tipo de autoridade que fez com que Jesus dobrasse os joelhos na última ceia ao lavar os pés dos discípulos. Recebemos uma unção espiritual que nos torna capazes de estar sempre a serviço dos irmãos, especialmente dos mais pobres, prediletos do Senhor. Como seria triste se um sacerdote se comportasse de modo autoritário com as ovelhas tresmalhadas, em vez de carregá-las nos ombros.
O Concílio Vaticano II – na esteira da tradição teológica católica – nos lembra que entre o sacerdócio comum dos fiéis e o sacerdócio ministerial dos padres, embora se ordenem mutuamente um para o outro, há uma diferença essencial, não apenas de grau. Por esta mudança ontológica, a Igreja confere ao novo sacerdote o poder sagrado necessário para celebrar o mistério Pascal, para 2 anunciar com autoridade a Palavra e governar na comunhão a comunidade daqueles que foram iniciados na vida de discípulos missionários de Cristo.
As orações do eucológio próprio da ordenação presbiteral e a mesa da Palavra ricamente servida hoje constituem uma fonte inesgotável de luzes espirituais para compreendermos o que acontece neste cenáculo itumbiarense. Tomemos algumas luzes para a nossa reflexão.
Na oração inicial desta missa estacional, dita Coleta, a Igreja dirige-se ao bom Deus com humilde confiança pedindo que derrame a graça sacerdotal neste Diácono. Deus institui este ministério para governar o povo na comunhão. Ele confere ao novo presbítero a graça de sempre servir a Deus segundo a vontade do mesmo Deus. A Igreja também pede a graça de que o novo sacerdote passe a promover a glória de Deus em Cristo por meio do seu ministério e de sua vida. Tudo é do Pai, tudo dEle provém, tudo é para o serviço do Seu povo, tudo pelos pobres, tudo enfim é para a maior glória de Deus.
II. “Tomado de entre os homens, o sacerdote é constituído em favor dos homens, nas coisas que se referem a Deus” (Hb 5,1).
De hoje em diante, Vinícius, podes tomar como ditas a ti mesmo as palavras das Escrituras: “Tu és sacerdote para sempre segundo a ordem de Melquisedeque” (Hb 7,17). Não se trata de um privilégio pessoal, de um cargo comissionado, de uma simples posição de política eclesiástica, nem mesmo de um projeto de realização pessoal. O ministério com o qual vais ser marcado por toda a eternidade é uma vocação, uma específica vocação a servir a um projeto desenhado pelo próprio Deus. O padre só se realiza, só é feliz, quando deixa de buscar sua realização pessoal e, negando-se a si mesmo, toma sobre si a cruz de Cristo e O segue. Mas é precisamente na sua união com o projeto de Deus realizado na Cruz salvadora que o padre encontra a fonte da sua felicidade. Por isso o seu compromisso não é e não pode ser transitório. No Reino de Deus, as decisões tomadas na nossa fragilidade adquirem sabor de eternidade. A felicidade do padre não é mera e fugaz realização humana, mas bem-aventurança. É bem-aventurança que se projeta para além da história, projeta-se na eternidade. E não apenas de sua vida pessoal. O padre sempre arrasta a muitos consigo, no bem e no mal. É sempre embaixador. Mas somente na fidelidade é que é embaixador do Senhor.
O Apóstolo dos gentios, com efeito, nos diz: “Somos embaixadores a serviço de Cristo” (2Cor 5,20). Ele declara assim o sentido exato do poder e da dignidade sacerdotais. Certo, os sacerdotes são sempre homens falíveis, capazes de errar, mas isto não os impede de ser ungidos do Senhor, “consagrados para pregar o Evangelho, apascentar os fiéis e celebrar o culto divino” (LG 28). Somos sacerdotes para a eternidade, consagrados para sempre em favor dos homens.
Jesus, único Mediador entre Deus e os homens, quis instituir o sacerdócio ministerial na Última Ceia precisamente para perpetuar no mundo, de modo visível, a sua obra de intercessão, de salvação, de santificação. É o próprio Senhor Jesus quem escolhe “os dispensadores dos mistérios divinos, reveste-os com variedade de dons e carismas para que, sempre e em toda a parte, ofereçam o sacrifício perfeito, e edifiquem, com a palavra e os sacramentos, a Igreja peregrina e santa, comunidade da Nova Aliança e templo vivo do vosso louvor” (do Prefácio desta Missa).
É de tal modo sublime o sacerdócio ministerial que “Ninguém deve atribuir-se esta honra, senão o que foi chamado por Deus” (Hb 5,4). Configurado ao Senhor, o sacerdote age in persona Christi capitis, atua na pessoa de Cristo Cabeça da Igreja. Por ele, Cristo congrega na unidade. Por meio dele Cristo prega e ora. Por ele, Cristo santifica através dos sacramentos. É pela bondade de Deus que em cada momento decisivo da nossa vida há de estar presente um sacerdote.
Como não lembrar que o sacerdote acompanha os homens em todas as etapas da vida? Acolhe a criatura recém-nascida à fonte batismal para lhes comunicar a graça da filiação divina. Administralhes os sacramentos que os sustentam no caminho para Deus, inicia-os na compreensão das coisas 3 divinas e indica-lhes o caminho do bem mediante o ministério da Palavra. Abençoa-lhes os nobres ideais, sustém-lhes os passos e os conforta na última agonia.
É um trabalho muitas vezes penoso, oculto na penumbra das suas horas de oração. Não é raro que seja incompreendido. Jamais devidamente estimado, entretanto o ministério do padre é preciosíssimo e indispensável no plano divino da nossa salvação!
O dever de gratidão pelo dom do sacerdócio se impõe a todo cristão, sobretudo para com Jesus, mas depois, também para com os que desempenham retamente esta missão sublime. O Cura de Ars costumava dizer que nem a eternidade seria suficiente para agradecer o dom do sacerdócio. Tal gratidão, contudo, pode e deve manifestar-se no reverente respeito, na filial docilidade para com os ministros de Deus, mas também na oração e no trabalho assíduo em favor das vocações e da santificação dos sacerdotes. Assim nos ensinou o próprio Jesus: “Rogai ao Senhor da messe que mande operários para a sua messe” (Mt 9,38).
III. “Eu, porém, estou no meio de vós como aquele que serve” (Lc 22,27)
Na cena evangélica há pouco tão bem proclamada em canto, mostra como Jesus, depois de realizar a ceia pascal com os discípulos, novamente anuncia a própria morte: “Sim, o Filho do Homem vai morrer, como está determinado”. A sua morte é inexorável. O Sangue de Jesus derramado na Cruz é o preço do nosso resgate que Ele livremente pagou por amor ao desígnio de amor do Pai. Ele vai ser oferecido de modo incruento pela Igreja em ação de graças ao Pai pela até o fim dos tempos, até que ele venha em sua glória para julgar os vivos e os mortos. Jesus também fala da sorte de quem o trair: “Ai daquele homem por meio de quem ele é entregue” (Lc 22,22). Tratava-se de um dos Doze. Os outros ficaram a perguntar quem dentre eles seria o maior. Nós sacerdotes somos herdeiros do dom feito aos Doze em favor de toda a Igreja e somos chamados a fazer nossas escolhas em situações semelhantes às deles no decorrer do nosso ministério.
No nosso itinerário vocacional podemos percorrer diversos caminhos. Podemos percorrer os atalhos da traição como Judas Iscariotes, que morreu amargurado pelo remorso. Podemos nos inquietar com a pergunta sobre quem será o maior, talvez como Tiago e João. Podemos percorrer o caminho da fragilidade como Pedro, amargando um arrependimento até ter a chance de confessar de novo o amor pelo Senhor. Mas o caminho que o Senhor nos pede para percorrer é outro: “Os reis das nações dominam sobre elas e os que têm poder se fazem chamar benfeitores” (Lc 22,25). E prosseguiu apontando o caminho sobremaneira excelente: “Entre vós não deve ser assim. Pelo contrário, o maior entre vós seja como o mais novo, o que manda, como quem está servindo” (Lc 22,27). Podemos descobrir o caminho da fidelidade em nossa união com o Senhor, sendo o servo de todos. Ele apresenta-se como modelo servindo a mesa da Páscoa, servindo enfim o Banquete do Reino: “Eu, porém, estou no meio de vós como aquele que serve” (Ibid.).
O sacerdote é amigo do Senhor e servo de todos nas mesas da Palavra e da Eucaristia: é homem do púlpito e do altar, é homem da misericórdia e do perdão. Neste contexto, consenti-me dirigir algumas palavras bem pessoais ao querido filho na ordem da fé. Que ele sirva o povo de Deus com aquelas riquezas que o senhor te confiou.
IV. “Manete in dilectione mea” (Jo 15,9)
Caro filho Vinícius, hoje o Senhor te acolhe no círculo mais íntimo daqueles que receberam a Sua Palavra no Cenáculo. Hoje Ele te diz a ti e aos outros apóstolos: “Manete in dilectione mea” (“Permanecei no meu amor”). A ti diretamente Ele continuará a dizer todos os dias: “Permanece no meu amor; permanece no amor com que amos as ovelhas do meu redil”.
Hoje o Senhor te concede aquela faculdade que quase amedronta, de fazer aquilo que só Ele, o Filho de Deus, pode legitimamente dizer e fazer: “Eu te perdoo os teus pecados”. (…) Tu, Vinícius, sabes bem que, por detrás de tais palavras, está a Sua Paixão por nossa causa e em nosso favor. Sabes bem que o perdão que ainda hoje poderás conceder tem o seu preço. Fomos resgatados a caro preço: o Seu sangue, a Sua Paixão. Por ela, nosso Senhor desceu até ao fundo tenebroso e sórdido do nosso pecado. Ele por nós se fez pecado, desceu até à noite escura da nossa culpa. E somente por isso essa noite pode ser transformada em luz meridiana. Através do mandato de perdoar, Ele te consente lançar um olhar ao abismo do homem e ver quão profundo é o Seu padecer por nós, grandeza esta que nos consente intuir a imensidão do Seu amor. Por isso não te canses de ser generoso no perdão oferecido, não te canses de dedicar tempo ao ministério da misericórdia.
No mesmo Cenáculo, que hoje se materializa nesta Igreja Catedral, Ele te confia as palavras da Consagração na Eucaristia, o mandato de oferecer por Ele, com Ele e nEle o mesmo sacrifício do Calvário. Efetivamente, hoje a Igreja te configura a Cristo, Sumo e Eterno Sacerdote, ou seja, te consagra pelas minhas mãos como verdadeiro sacerdote do Novo Testamento. Com este título, que no sacerdócio te faz cooperador da ordem episcopal, serás pregador intrépido do Evangelho, Pastor do Povo de Deus; presidirás aos atos de culto, de maneira especial na celebração do Sacrifício do Senhor.
Não te esqueças de que, exercendo o ministério da sagrada Doutrina, tomas parte na missão de Cristo, único Mestre, que te diz: “Eis que ponho as minhas palavras na tua boca”. Foge das ideologias e do erro: dispensa a todos a Palavra de Deus, que tu mesmo recebeste com alegria. Lê e medita assiduamente a Palavra do Senhor, para acreditares naquilo que já leste, ensinares o que aprendeste na fé e viveres o que ensinaste. E este seja o alimento do Povo de Deus: que as tuas homilias cheguem ao coração das pessoas, porque brotam do teu coração. Deste modo a tua pregação será alegria e ajuda para os fiéis de Cristo; o perfume da tua vida será o testemunho! Santo Antônio, santo doutor e exímio pregador da Ordem dos Frades Menores já dizia: “Cessem, eu vos suplico, as palavras; falem as obras”!
Darás continuidade à obra santificadora de Cristo. Mediante o teu ministério, o sacrifício espiritual dos fiéis se aperfeiçoa, porque fica vinculado ao sacrifício de Cristo, que através das tuas mãos, em nome da Igreja inteira, é oferecido de modo incruento no altar, durante a celebração dos Santos Mistérios. Quando celebrares a Missa — diz o Papa Francisco — reconhece aquilo que fazes. Não o faças de modo apressado! Imita o que celebras — não se trata de um rito artificial! — pois assim, participando no mistério da morte e ressurreição do Senhor, trazes a morte de Cristo nos teus membros e caminhas juntamente com Ele numa vida nova. “O cálice por nós abençoado é a nossa comunhão com o sangue de Cristo”.
Mediante o Batismo agregarás novos fiéis ao povo de Deus. Não negues o Batismo a quem to pedir! Através do óleo santo, darás alívio aos enfermos. Celebrando os ritos sagrados e elevando nas várias horas do dia a oração de louvor e de súplica, serás a voz do Povo de Deus e da humanidade inteira. Sacerdote da nova aliança, a tua oração é a oração da Igreja. Oferece sem cessar o sacrifício de louvor na oração pessoal e na santificação assídua das horas do dia.
Consciente de teres sido escolhido entre os homens e constituído a seu favor para atender as coisas de Deus, cumpre com alegria e caridade sincera a obra sacerdotal de Cristo, com a única intenção de agradar a Deus, e não a ti mesmo. Lembra-te do que dizia o Cura d’Ars: “O padre não é padre para si mesmo. Ele não se absolve, nem se administra sacramentos. Ele não existe para si e sim para os outros”.
Procura ter sempre diante dos olhos o exemplo do bom Pastor, que não veio para ser servido, mas para servir; não para permanecer nas tuas comodidades, mas para sair, procurar e salvar o que estava perdido. Permanece em Cristo, permanece no Seu amor. Põe o teu coração nos amores de Cristo a viverás as Suas alegrias.
Entrega-te, filho caríssimo, ao teu Senhor, sê bom samaritano dos pobres. Sê homem de comunhão, sê irmão dos demais presbíteros, que te acolhem hoje no presbitério da Igreja Itumbiarense. Sê comigo bom pastor do povo ao qual és enviado.
Mãe e Senhora nossa, Rainha do céu e da terra, volvei hoje o vosso olhar sobre este vosso filho Padre Vinícius. Venha sobre ele a graça de permanecer convosco ao pé da Cruz e de Vos levar para casa.
Ó Mãe do Amor Formoso, acompanhai com a vossa onipotente intercessão, o seu ministério, a sua vida, a sua vocação.
Mãe amorosa da Igreja, olhai por este pequeno rebanho do Vosso Filho aqui reunido: venha sobre nós a graça de empreendermos decididos os caminhos da santidade e da missão apostólica.
Por vossa materna intercessão, ó Mãe querida, o vosso divino Filho multiplique entre nós as vocações para o sagrado ministério, pois a messe é grande e poucos os operários.
Senhora Aparecida, intercedei por nós, cuidai de nós todos aqui presentes, para que em tudo a nossa vida seja um perfeito louvor ao Deus Uno e Trino.
A Ele, o vivente, seja o louvor, a honra e toda a glória, hoje e pelos séculos eternos. Amém! Louvado seja nosso Senhor Jesus Cristo!