A MESA DA PALAVRA
Dom José Aparecido Gonçalves de Almeida
IV Domingo da Páscoa
Domingo do Bom Pastor
21 de abril de 2024
“Eu sou o bom pastor e conheço as minhas ovelhas” (Jo 10,14)
Caros amigos,
No quarto Domingo da Páscoa, habitualmente se lê uma perícope do quarto Evangelho em que Jesus se apresenta como o Bom Pastor. Contemplando a imagem bíblica do Bom Pastor, a Igreja dedica este domingo à oração pelas vocações, em especial pelas sacerdotais. Assim as comunidades reunidas em súplice oração rogam ao Senhor da Messe e Pastor do rebanho que mande muitos operários para a Sua messe, pois a messe é grande e poucos os operários.
A liturgia hodierna volta os olhos para a relação entre as ovelhas da Grei de Cristo e o Bom Pastor, através da relação entre os ministros ordenados e os membros do povo sacerdotal. A alegria pascal nos abre as portas do coração para uma compreensão mais viva do júbilo que nos toma ao entrarmos no serviço do Senhor.
I. “Conduzi-nos à comunhão das alegrias celestes” (MR, Collecta)
A coleta da missa de hoje retoma o texto de uma oração do Sacramentário Gelasiano (Sec. V-VIII), também presente no Sacramentário Adriano (sec. VIII). Trata-se de uma oração que vem sendo rezada pela Igreja desde tempos bem remotos, especialmente no tempo pascal. Nesses sacramentários, esta coleta era uma oração pelos batizados, por aqueles que na Vigília Pascal tinham sido regenerados por obra do Espirito Santo. Nela se invocava o Deus onipotente e eterno para pedir-lhe que os neófitos entrassem no Reino, naquele Reino onde a todos precedeu a fortaleza do pastor. A oração atual estende o pedido a toda grei de Cristo, suplicando ao Deus Eterno e Onipotente “que a fragilidade do rebanho chegue onde o precedeu a fortaleza do pastor, [Jesus Cristo]”. Nosso Senhor Jesus Cristo nos precedeu na vitória sobre a morte e no ingresso na liturgia celeste. Somos chamados a seguir as vestígios do Bom Pastor, procurando reconhecer a sua voz através da palavra dos pastores por ele chamados ao sagrado ministério.
A fortaleza do Bom Pastor manifestada na Cruz, agora faz de nós, seus discípulos, novas criaturas. Como Ele e por amor dele “somos entregues à morte o dia inteiro; somos tratados como gado destinado ao matadouro” (Rm 8,38; cf. Sl 43,23). No entanto, paradoxalmente sabemos que o matadouro, a Santa Cruz, não foi a nossa derrota, mas a vitória de Cristo abre as portas para a nossa vitória sobre o pecado e a morte. Da Sua vitória nos apropriamos no Batismo, na Confirmação e em cada Eucaristia. E, “em todas essas coisas, somos mais que vencedores pela virtude daquele que nos amou” e nada poderá nos afastar do amor que Deus manifesta em Cristo, o Pastor grande do Rebanho. Assim a Igreja reza no dia do Bom Pastor, rogando a Deus onipotente e eterno que a fragilidade das ovelhas alcance a fortaleza do Bom Pastor e chegue aonde Ele chegou. O Bom Pastor mostra o caminho, acompanha no caminho, cuida das ovelhas mais frágeis. Ao rezar hoje especialmente pelas vocações sacerdotais, nós pedimos a Deus que chame muitos a participar do pastoreio de Cristo, abraçando a graça do ministério do altar.
Nutridos com os tesouros da Palavra e dos Sacramentos, fortifica-se em todos os batizados a vocação a participar do pastoreio de Cristo sobre a humanidade. A Igreja é sacramento universal de salvação e de unidade do gênero humano. Nós, Igreja do Senhor, somos um povo sacerdotal que se oferece como sacrifício de agradável odor, apresentando a faina quotidiana unida ao mistério pascal de Cristo especialmente pela celebração da Eucaristia. Somos enviados para um anúncio fecundo do Evangelho, cuja força está no fascínio e na atração que a beleza da vida cristã exerce sobre quem se encontra com um fiel cuja vida resplandece da luz de Cristo. Bonum diffusivum sui!
II. “Jesus é a pedra que vós, os construtores, rejeitastes e que se tornou a pedra angular” (At 4,11)
Há um pormenor a notar na primeira leitura. O Apóstolo Pedro proclama publicamente que Jesus é a pedra angular que os construtores, os que estavam ocupando a cátedra de Moisés, rejeitaram. A pedra angular é a pedra que sustenta o edifício que se levanta sobre ela. Ela dá solidez ao alicerce. Como não nos lembrarmos de Dom Velloso, de Dom António Lino e de Dom Antônio Fernando? Seus corpos estão aguardando a ressurreição repousando logo na entrada de nossa Catedral, bem perto de um dos cantos sobre os que se apoia o edifício. Do lado oposto um dia se fará a capela do Batismo, porta de entrada da Igreja e da vida cristã. Esses pastores deram suas inteligências, seus afetos, todo o seu ser para que Cristo tivesse aqui, nesta cidade de Santa Rita do Paranaíba, nossa querida Itumbiara, sinais vivos de sua presença de Pastor.
Pedro proclama que Jesus é a Pedra. Mas, após a confissão de Pedro, Jesus já havia dito a Simão: “Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão sobre ela” (Mt 16,18). Sim, Cristo é a Rocha que Moisés tocou com o bastão e da qual saiu água para dessedentar no deserto o povo que saira do Egito rumo à terra da promissão. Cristo é a Rocha firme sobre a qual se edifica a Igreja una, santa, católica e apostólica. Pedro, por sua vez, é a rocha que dá corpo à presença permanente de Jesus Cristo Bom Pastor na vida da Igreja. Assim o quis o Senhor Jesus, ao confiar a Pedro o encargo de, em seu nome, reger o rebanho: “Pedro, tu me amas? (…) Apascenta as minhas ovelhas” (Jo 21,17).
Desprezado pelos edificadores do antigo Israel, Ele é a salvação esperada e agora realizada na sua Páscoa. “Em nenhum outro há salvação, pois não existe debaixo do céu outro nome dado aos homens pelo qual possamos ser salvos” (At 4,12). Este poder de salvar dos pecados e da morte, Cristo compartilhou com os Apóstolos (Jo 20,22-23).
Dando a Simão o nome de Cefas ou Pedro, Jesus lhe confere a missão de ser sustentáculo da fé da Igreja: “Sobre esta pedra edificarei a minha Igreja e as portas do inferno não prevalecerão sobre ela” (Mt 16,18).
Na vocação e no ministério de Pedro se une todo o corpo episcopal, sucessor do colégio apostólico, para pastorear a Igreja com o múnus de ensinar, a missão de santificar e a grata tarefa de governar na comunhão as ovelhas da Grei de Cristo.
III. “Caríssimos, desde já somos filhos de Deus, mas nem sequer se manifestou o que seremos”.
Pertencemos à grei de Cristo. Todos somos ovelhas do seu rebanho. Ovelhas tratadas com amor. Tal é o amor do Senhor que Ele já não nos chama servos, mas amigos; amigos que procuram conhecer, amar e cumprir a vontade de Deus nosso Pai. Mas, para falar do amor de Deus por nós, o discípulo amado, movido pelo Espírito Santo, nos ensina que somos filhos de Deus: “Caríssimos, vede que grande presente de amor o Pai nos deu: de sermos chamados filhos de Deus! E nós o somos!” (I Jo 3,1).
Sabemos que somos filhos, filhos muito amados por Deus nosso Pai. Mas, no tempo, apenas vislumbramos o significado da filiação divina. É um tesouro de paz e alegria, já evocado na oração coleta (“conduzi-nos à comunhão das alegrias celestes…”) que leva a fragilidade do rebanho a alcançar os prados celestes onde o precedeu a fortaleza do Pastor. Trata-se da vida na graça de Deus que nos prepara o céu: “Sabemos que quando Jesus se manifestar, seremos semelhantes a Ele, porque o veremos tal como ele é” (I Jo 3,2). Aquele que é o caminho para chegar ao Pai, também é a Verdade e a Vida.
IV. “Eu sou o bom Pastor” (Jo 10,11).
Cristo é a Pedra, é a Porta, é o Bom Pastor. O Bom Pastor quis confiar a Sua Grei aos apóstolos e a seus sucessores, que passam a ser sinal sacramental da permanente presença do Bom Pastor na vida do rebanho.
São João Paulo II, em uma de suas cartas aos sacerdotes dizia: «Recordem [os presbíteros] que o seu ministério sacerdotal (…) está –– de maneira particular –– ordenado para a grande solicitude do Bom Pastor, que é a solicitude pela salvação de todos os homens. E todos devemos refletir bem nisto: que a nenhum de nós é lícito merecer o nome de mercenário, ou seja, de alguém “a quem as ovelhas não pertencem”, de alguém que “ao ver chegar o lobo, abandona as ovelhas e foge; e assim o lobo as arrebata e dispersa. Porque é mercenário, não se preocupa em nada com as ovelhas” (Jo 10,12-13). A solicitude de todo bom Pastor é que os homens “tenham vida, e a tenham em abundância” (Jo 10,10), a fim de que nenhum deles se perca (cf Jo 17,12), mas tenham a vida eterna. Façamos que tal solicitude penetre profundamente em nossas almas. Procuremos de vivê-la. Que ela caracterize a nossa personalidade e esteja sempre na base de nossa identidade sacerdotal» (Carta a todos os sacerdotes, 8-IV-1979, n. 7).
A vocação ao ministério sacerdotal é chamamento ao desejo de desaparecer para que o Bom Pastor apareça com toda a sua solicitude em nossas ações, no nosso ministério. Nos próprios paramentos sacerdotais e diaconais estão significados alguns aspectos importantes da vocação dos ministros sagrados ao serviço das ovelhas do rebanho de Cristo.
A alva ou túnica correspondem à veste branca recebida no batismo. Esta veste “alvejada no sangue do Cordeiro” indica a nossa igual condição fundamental: somos batizados, iniciados na vida cristã. Temos, em comum com todos os cristãos, a condição de membros do Corpo de Cristo. Somos fiéis com todos os fiéis, buscamos o rosto de Cristo. Esta é a razão de nossa alegria no Senhor: a comum condição de filhos de Deus.
O cíngulo que cinge os nossos rins é sinal da fortaleza casta que torna os fiéis cristãos homens e mulheres de coração puro; em tudo vivem de modo a nada antepor a Cristo, que se pode entender também como “nada antepor ao amor de Cristo” ou “nada antepor à oração comum” (cf S. Bento, Regra, 43.3). Os pastores são chamados a lembrar a todos na Igreja, por sua vida e palavras, que devemos amar a Cristo com pureza de coração e aquela inteligência casta, que nos permite conhecer e amar a Deus, seguir os seus mandamentos.
Sobre a alva, os sacerdotes e os diáconos impõem a estola, símbolo da imortalidade que o mistério pascal conquistou para nós. Somos servidores do povo de Deus que marcha na história buscando o rosto de Deus, que se revelará plenamente quando Cristo for tudo em todos. Sobre a estola os diáconos usam a dalmática, outrora veste dos servos a serviço de uma casa.
A casula usada sobre a estola pelos Bispos e Padres, lembra que eles devem carregar as ovelhas nos ombros através da sua oração, do ministério da Palavra, do múnus de santificar e das obras de misericórdia. O Bispo, por ter a plenitude do ministério, pode em certas ocasiões usar a dalmática debaixo da casula. Ele nunca deve esquecer que a plenitude do ministério se expressa na diakonia, no serviço às ovelhas do rebanho de Cristo. Os trajes ministeriais não são mero ornamento, são antes sinais externos daquele “importa que ele cresça e que eu diminua” (Jo 3,30) que norteia a vida do sacerdote católico.
Hoje, nesta Sé de Santa Rita, rezamos pela nossa Igreja de Itumbiara, pedindo a Deus que envie muitos operários para a messe, pois a messe é grande e poucos os operários. Hoje peço que todos os presentes se unam a mim, pastor desta Igreja por graça de Deus e mercê da Sé Apostólica, no pedido suplicante de novas vocações e de graças para que os nossos padres e diáconos sirvam a Igreja com alegria e fidelidade. Quanto me sentei pela primeira vez nessa Cátedra, pedi a Deus uma graça: que se meu ministério for falho em tudo, pelo menos seja fecundo na oração pelas vocações e no discernimento da autenticidade das vocações que se apresentam.
Peço ainda que rezem pelo Bispo e pelos padres desta diocese para que, em nossa fragilidade sejamos fiéis à missão que recebemos do Senhor e de sua Igreja, de sorte que no ocaso de nossa vida, cheguemos juntamente com as ovelhas desta Grei de Itumbiara à exultação da liturgia celeste, lá onde nos precedeu o Cristo ressuscitado.
Santa Rita nos ajude com sua intercessão e a Virgem Maria cuide desta porção da Igreja do seu Filho peregrina nestas encantadoras terras do sul goiano.
Louvado seja nosso Senhor Jesus Cristo!