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A Mesa da Palavra – Homilia na Festa de São Josemaria Escrivá

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A MESA DA PALAVRA
Dom José Aparecido Gonçalves de Almeida
Homilia na Festa de São Josemaría
Itumbiara, 26 de junho de 2024

“Avança para águas mais profundas e lança as redes!”

Prezados irmãos e irmãs,

Aprazia a São Josemaría Escrivá chamar “nossa Mãe” à Santa Igreja e dela falar com ardente amor filial. Ele amou a Igreja de tal modo durante o seu peregrinar terreno, que hoje é a sua e nossa amada Mãe quem nos congrega para honrar com uma liturgia toda própria o filho por ela proclamado santo pastor.

A honra que a Santa Igreja tributa a um filho seu mediante a canonização é sempre um ato de louvor ao Deus três vezes santo, de quem provém toda a santidade. Convocados pela Igreja peregrina, nós nos unimos à liturgia celeste, e em particular a São Josemaría, para prestar culto a Deus pelas imensas maravilhas que continua a realizar nos seus santos. Assim, hoje, elevamos a nossa ação de graças a Deus pelos imensos benefícios que recebemos através da fidelidade de São Josemaría: Gratias tibi, Deus, gratias tibi, vera et una Trinitas, una et summa Deitas, sancta et una Unitas!

Neste dia de festa para os que somos chamados a haurir e a viver do tesouro espiritual do Opus Dei, é motivo de júbilo considerar em oração alguns importantes aspectos da “vida escondida com Cristo em Deus” de São Josemaría, que a própria liturgia nos faz meditar e rezar.

I.  “Todos os que são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus” (Rm 8, 14).

Estas palavras do Apóstolo Paulo, que acabaram de ressoar nesta nossa assembleia litúrgica, nos ajudam a compreender melhor a significativa mensagem de São Josemaria.
Nascido no seio de uma família profundamente cristã, ainda em tenra idade, São Josemaría sentiu o chamamento de Deus para uma vida de maior entrega. Ele deixou-se orientar pelo Espírito, convencido de que só assim se pode cumprir plenamente a vontade de Deus. Reconheceu na vocação sacerdotal o caminho que o levaria a cumprir toda a vontade de Deus. Ao longo de sua vida nunca parou de rogar ao Senhor que lhe consentisse ver – Domine, ut videam! – os planos que o Senhor tinha reservado para ele. Alguns anos depois de ter sido ordenado sacerdote viu – segundo a expressão que ele mesmo usava – o imenso panorama apostólico para o qual Deus o vinha preparando. Começou então a missão fundamental à qual dedicou 47 anos de amorosa e incansável solicitude pastoral por sacerdotes e leigos daquela que hoje é a Prelazia Pessoal do Opus Dei, à qual está unida a Sociedade Sacerdotal da Santa Cruz.

Na homilia da beatificação de São Josemaría, em 1992, São João Paulo II ressaltou que “sua vida espiritual e apostólica tinha por fundamento o saber-se, através da fé, filho de Deus em Cristo”. “Esta fé – prosseguia São João Paulo II – alimentava o seu amor pelo Senhor, o seu zelo evangelizador, a sua alegria constante, mesmo nas grandes provações e dificuldades que teve de superar”.

A filiação divina experimentada quotidianamente é a fonte da alegria constante e profunda a que se referia o Santo Pontífice. Ela é a fonte do nosso gaudium cum pace, que ajuda a viver com espírito desportivo a verdadeira penitência que leva à conversão da vida. Somente ela nos faz saborear a graça e a consolação do Espírito Santo, que nos traz a verdadeira paz, paz que apenas o Senhor pode dar. Esta alegria – costumava dizer ele aos seus filhos – tem as raízes em forma de cruz. E dizia ainda nas Meditações: “Ter a cruz é encontrar a felicidade, a alegria”. E a causa desta alegria se encontra precisamente na identificação com a segunda Pessoa da Santíssima Trindade, Jesus Cristo nosso Senhor: “Ter a cruz é identificar-se com Cristo, ser Cristo e, portanto, ser filho de Deus”.

O espírito de filhos nos faz clamar Abá – Pai, porque participamos por graça da filiação que Jesus tem por natureza. A Liturgia de hoje, logo após a santa comunhão, no-lo recorda ao nos fazer suplicar que os santos mistérios recebidos em alimento espiritual fortaleçam em nós o espírito de (…) filhos adotivos, de sorte que, abraçando fielmente a vontade de Deus, percorramos com alegria o caminho da nossa santificação.

II. “O Senhor Deus tomou o homem e colocou-o no Jardim do Éden, para que o cultivasse e guardasse” (Gn 2, 15).

A narração da Criação proclamada na primeira Leitura, recorda-nos que o Criador confiou a terra ao homem, para que a “cultivasse” e “guardasse”. Trabalhando nas várias realidades deste mundo, que saiu bom das mãos do Criador, os fiéis contribuem para realizar este projeto divino universal. O trabalho e qualquer outra atividade que se leva a cabo, com a ajuda da Graça, transformam-se em meios de santificação quotidiana para quem os realiza e para os que beneficiam dos seus frutos.

Cristo chama todos a entabular o caminho da santidade nas realidades da vida quotidiana. Respondendo a tal chamamento, o trabalho vivido em união com Cristo passa a ser não só um meio de santificação pessoal, como também meio eficaz de apostolado. Numa carta de família de 1954, o Santo Fundador da Obra escrevia aos seus filhos já presentes em várias partes do mundo: “Todas as coisas da terra, até mesmo a atividade terrena e temporal dos homens, devem ser levadas a Deus” (Carta, 19.III.1954). Esta doutrina de São Josemaría, nos inícios da sua pregação, despertou uma certa suspeita de heresia naqueles teólogos menos atentos à vida da Igreja primitiva testemunhada pelo Novo Testamento.

Efetivamente era difundida na época dos inícios da Obra a opinião errônea e bastante tardia de que há dois gêneros de cristãos. De um lado, os sacerdotes e religiosos destinados a uma vida santa; de outro lado, os fiéis leigos que, se rezarem e forem honestos, podem salvar-se. Basta uma atenta leitura dos Santos Evangelhos para ver que o convite de Jesus à santidade se dirige a todos, não só ao estrito círculo dos Doze: “Sede santos como é santo o vosso Pai celeste”.

Nesse contexto, é bem compreensível o testemunho dos contemporâneos de São Josemaría sobre a felicidade e a vibração que expressou ao ver promulgada a Constituição dogmática Lumen gentium. Nela se proclamava solenemente como doutrina oficial da Igreja o que ele vinha anunciando desde 1928: isto é, que todos os cristãos são chamados à santidade. “Todos os cristãos de qualquer condição ou estado – ensina o Espírito Santo mediante o Concilio Vaticano II – são chamados pelo Senhor, cada um por seu caminho, à perfeição da santidade pela qual é perfeito o próprio Pai” (LG 11).

Queridos irmãos e irmãs, filhos de São Josemaría: Não se reconhecem nessas palavras do Concílio convocado por São João XXIII a doutrina que São Josemaría começara a ensinar mais de 40 anos antes? Deixemos que sejam as palavras dele mesmo a nos responder: «Tens obrigação de santificar-te. – Tu também. – Alguém pensa, por acaso, que é tarefa exclusiva de sacerdotes e religiosos? – A todos, sem exceção, disse o Senhor: Sede perfeitos, como meu Pai Celestial é perfeito» (Caminho, n. 291).

Não se trata de um caminho de esforços descomunais para ser ou parecer melhores, mas de um caminho de correspondência ao amor com que Cristo nos amou quando ainda éramos inimigos, isto é, escravos do pecado, e nos elegeu para sermos santos e imaculados diante dEle no amor. É a descoberta da filiação divina, do amor de Deus derramado em profusão sobre o mundo, que suscita em nós o desejo de ser amigos de Deus. Caritas Christi urget nos. O amor de Cristo nos impele. Não se trata de uma empresa utópica e impossível para os muitos e reservada apenas a alguns raros eleitos. Não, não estamos abandonados às nossas forças nessa empresa. É um precioso encontro entre a graça de Deus e a nossa liberdade filial, pois Deus, “que nos cria sem nós, não nos salva sem nós” (Santo Agostinho).

Contudo há uma faceta dolorosa desse desígnio de Deus, que não pode passar despercebida. Lendo a parábola dita do jovem rico, percebemos que a nossa não correspondência a tão grande amor pode causar no Senhor aquele olhar triste com que viu ir embora aquele homem a quem dissera: “Se queres ser perfeito, vai vende o que tens, dá-o aos pobres depois vem e segue-me”. Que tristeza aos olhos do Senhor ver alguém amado voltar-lhe as costas.

Mas voltemos à grandeza da correspondência amorosa aos apelos do Senhor. São João Paulo II, na canonização de São Josemaría, após enaltecer a grandeza da vocação da Obra na Igreja, não deixou de convocar os membros do Opus Dei a difundir o espírito em que os formara o novo Santo. Dizia ele: «Seguindo os seus passos difundi na sociedade, sem distinção de raça, de classe, de cultura ou de idade, a consciência de que todos nós somos chamados à santidade. Esforçai-vos por ser santos, em primeiro lugar vós mesmos, cultivando um estilo evangélico de humildade, de serviço, de abandono na Providência e de escuta constante da voz do Espírito. Desta forma, sereis o “sal da terra” (cf. Mt 5, 13) e “a vossa luz brilhará diante dos homens, para que eles vejam as boas obras que fazeis e louvem o vosso Pai que está nos céus” (Ibid., v. 16)».

III. Duc in altum. “Faze-te ao largo, e lançai as vossas redes para pescar”. (Lc 5, 4).

Ficou indelevelmente impresso na alma de São Josemaría o momento em que, durante a Santa Missa, sentiu o forte eco interior das palavras de Jesus: “Quando Eu for levantado da terra, atrairei todos a mim” (Jo 12, 32). Era o dia 7 de Agosto de 1931. A partir de então ele compreendeu mais claramente que a missão dos batizados consiste em elevar a Cruz acima de toda a realidade humana e viu surgir no seu interior a apaixonante vocação a evangelizar todos os ambientes. Assim, foi sem hesitação que acolheu para si o convite dirigido por Jesus ao Apóstolo Pedro: “Duc in altum!”. Transmitiu-o aos seus filhos, para que oferecessem à Igreja a preciosa contribuição de comunhão e de serviço apostólico. Este convite estende-se hoje a cada um de nós: “Avança para águas mais profundas – diz-nos o Mestre divino – e lançai as vossas redes para a pesca” (Lc 5, 4). Hoje o amor de Cristo nos impele à grande aventura da evangelização.

Sem dúvida, para quem procura servir a causa do Evangelho com fidelidade, não faltam incompreensões nem dificuldades. Mas longe de representar obstáculos para o apóstolo, estas pequenas ou grandes cruzes acabam por fecundar o serviço às almas. Com a força misteriosa da Cruz, o Senhor purifica e modela os que chama a segui-lo. Na Cruz – o Santo gostava de repetir – encontramos luz, paz e alegria: Lux in Cruce, requies in Cruce, gaudium in Cruce!

Contudo, para que a cruz fecunde o nosso empenho nessa missão tão atraente e exigente, é necessário um incessante crescimento interior, alimentado pela oração e pela mortificação. São Josemaría foi um mestre no exercício da oração, que – acom0panhada da mortificação – ele considerava como uma “arma” extraordinária para co-redimir o mundo: “Em primeiro lugar, a oração; depois, a expiação; e em terceiro lugar, mas somente “em terceiro lugar”, a ação” (Caminho, n. 82). Não se trata de um paradoxo, mas de uma verdade perene: a fecundidade do apostolado depende sobretudo da oração e de uma vida sacramental intensa e constante. Em última análise, este é o segredo da santidade e do verdadeiro êxito dos Santos.

Jesus continua hoje como outrora a chamar, a convidar a ir para águas mais profundas. Fá-lo através do Papa que não se cansa de nos convidar a ser uma “Igreja em saída”, uma Igreja de discípulos missionários, isto é, santos e apóstolos. Dom Álvaro del Portillo, primeiro sucessor de São Josemaría na guia da Obra, recebeu e viveu fielmente o espírito do Pai espiritual que Deus lhe dera. E há dez anos a Igreja o elevou à glória dos altares. Que significado tem isso para nós? Para os filhos de São Josemaría? Para os cooperadores da Obra? Para a Igreja peregrina aqui no sul goiano?

Beatificando Dom Álvaro, discípulo fiel de São Josemaría, e da Igreja, a mesma Igreja confirma uma vez mais que o caminho revelado no dia 2 de outubro de 1928 àquele sacerdote que tinha 26 anos, bom humor e graça de Deus, é um caminho certo para sermos o que a Igreja hoje quer de nós. Que sejamos discípulos missionários, ou seja, que sejamos apóstolos santos. Já que não há santo que não seja apóstolo, nem verdadeiro apóstolo que não seja verdadeiramente santo. A Igreja em Itumbiara, se assim aprouver ao Senhor, poderá contar com o espírito apostólico da Obra para cooperar no serviço pastoral em todos os ambientes.

Queridos irmãos e irmãs, hoje honramos São Josemaría Escrivá nesta santa liturgia. Prolongue-se a honra do Pai na fidelidade dos filhos, para que vendo as nossas boas obras, glorifiquem nosso Pai-Deus. Seja o nosso apostolado e a nossa busca de santidade a oferenda posta neste altar em que Cristo mais uma vez se apresentará ao Pai, por nós homens e para a nossa salvação.

A Virgem Maria, cuja devoção São Josemaría tanto incutiu nos seus filhos, nos acompanhe nesse caminho da Igreja, com um corajoso anúncio do Evangelho e com uma valente e total entrega ao Senhor, lá onde o Senhor nos quis chamar.

Com São Josemaría digamos uma vez mais: Sancta Maria, spes nostra, ancilla Domini, sedes Sapientiae, ora pro nobis!

Louvado seja nosso Senhor Jesus Cristo!

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A Diocese de Itumbiara foi criada no dia 11 de outubro de 1966, pelo Papa Paulo VI, desmembrada da Arquidiocese de Goiânia; seu território é de 21.208,9 km², população de 286.148 habitantes (IBGE 2010). A diocese conta 26 paróquias, com sede episcopal na cidade de Itumbiara-GO.

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