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A Mesa da Palavra – Homilia do VI Domingo do Tempo Comum – Ano B

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A MESA DA PALAVRA
Dom José Aparecido Gonçalves de Almeida
VI Domingo do Tempo Comum – Ano B
11 de fevereiro de 2024

“Se quiseres, tens o poder para me purificar!” (Mc 1,40)

Caros amigos

I. “Pelas palavras do Santo Evangelho sejam perdoados os nossos pecados” (Missal Romano, Ordo missae).

Estas foram as palavras que (o diácono, o padre eu) disse em voz baixa ao beijar livro dos Santos Evangelhos.

Na oração dita coleta, que a Igreja reza desde o século VII, isto é, há mais de mil e trezentos anos (Sacramentário Gelasiano, nn. 587 e 1807), a Igreja inicia a celebração do sacrifício de louvor e ação de graças (a Eucaristia) suplicando a Deus que, pela força de Sua graça, nós, membros do Seu Filho, vivamos de tal modo que ele possa habitar em nós. Ele mesmo prometeu permanecer nos corações retos e sinceros. Para tal Deus nos cura das enfermidades, purifica dos pecados, nos livra do aguilhão da morte eterna com a Sua amorosa presença no meio de nós, em nós.

Esta oração, portanto, feita com o coração contrito e humilde, nos prepara imediatamente para melhor saborear a Palavra de Deus com seus frutos abençoados. Efetivamente “a Palavra de Deus é uma árvore de vida que por todas as partes te oferece frutos abençoados” (S. Efrém, o Siro). São frutos de vida eterna, vida eterna que consiste em conhecer a Jesus, enviado pelo Pai. Sim, esta vida nova nós a recebemos no dia bendito do nosso Batismo. Naquele dia fomos inseridos no Corpo do Senhor presente na história.
Contudo, irmãos, a nossa permanência na história, comporta uma certa caducidade. Podemos sim recair, perder a pureza interior dada pelas águas do Batismo e pela força da Palavra. “Como poderá o jovem manter puro o seu caminho? Observando as tuas palavras” (Sl 118, 8).

Não sem razão, o sacerdote ou o diácono, ao beijar o Evangeliário após a leitura do Santo Evangelho diz: “Pelas palavras do Santo Evangelho sejam perdoados os nossos pecados” (Missal Romano, Ordo missae).

Embora batizados, nos encontramos sujeitos ao pecado, às inúmeras tentações que o mundo a carne e o pai da mentira não se cansam de insinuar a nós. É preciso abrir o nosso coração às palavras que chegaram aos nossos ouvidos para a nossa salvação, abrir a alma à misericórdia de Deus que não se cansa de nos perdoar.

Estamos nos aproximando da quaresma, tempo de revisão de vida, tempo de escolher novos rumos, de nos lembrarmos da nossa vocação à vida eterna. Não temos aqui morada permanente, mas o nosso modo de viver agora nos prepara para a vida ou a morte eterna. Acorramos ao Senhor para prepararmos os caminhos do Senhor em nossas vidas.

II. “Durante todo o tempo em que estiver leproso, será impuro” (Lv 13, 46)

Conforme as indicações da Lei, na lepra se via um castigo de Deus (cf Nm 12,10-15). Ao doente de lepra, pelo caráter contagioso desta doença, a Lei já o declarara impuro e transmissor da impureza àquelas pessoas que tocava ou aos lugares em que entrava. Por isso, como vemos no Libro do Levítico (hoje proclamado), a Lei dá as precisas indicações rituais para que o sacerdote declare impuro o enfermo de lepra e o exclua do convívio comunitário (cf tb. Nm 5,2). Assim diz o texto: “O homem atingido por este mal, andará com as vestes rasgadas, os cabelos em desordem e a barba coberta, gritando: ‘impuro! impuro’. Durante todo o tempo em que estive leproso será impuro; e, sendo impuro, deve ficar isolado e morar fora do acampamento” (Lv 13,45-46).

Não se trata apenas de uma precaução sanitária. Para além disso, existe uma séria questão ritual e religiosa, pois a separação do enfermo equivalia a uma excomunhão por impureza ritual. Esta exclusão social e religiosa tem um grave efeito espiritual, para o qual nos alerta o Papa Francisco: “Tal isolamento faz-nos perder o significado da existência, tira-nos a alegria do amor e nos faz experimentar uma sensação opressiva de solidão nas sucessivas passagens cruciais da vida”.

Por outro lado, o desaparecimento desta doença era considerado como uma das bênçãos da esperada era messiânica (Is 35,8; cf Mt 11,5; Lc 7,22). Não havendo cura medicinal para a lepra, o enfermo só poderia sarar por milagre. E este milagre também deveria ser reconhecido pelo sacerdote que o declararia então são e puro, readmitido no convívio comunitário.

De modo análogo, o pecado, a ferida interior da separação de Deus, nos exclui também da comunhão com os irmãos. Não se trata somente de um castigo externo por um deslize ritual, mas da real perda da graça e ruptura da amizade com Deus, que também nos separa dos irmãos. Aqui a separação é profunda e radical, pois agimos com liberdade e nos excluímos da comunhão. Só o milagre do perdão e da misericórdia é que nos podem salvar.
Todos nós sabemos, como ensinava Santo Agostinho, que é possível uma pessoa estar corporalmente na Igreja e não fazer parte do corpo de Cristo, permanecendo espiritualmente fora da unidade do Corpo místico. O que nos leva a fazer parte da Igreja é permanecer na vida regenerada pelo Batismo que nos purifica de todas as enfermidades espirituais.

A cura da lepra, que Deus opera quando Naamã decide seguir as indicações de Eliseu, mostra que não são as nossas obras a nos curar, mas a obediência à palavra de Deus, pregada pelo profeta (cf 2 Rs 5,9-14). É na escuta da Palavra no coração da Igreja e na realização das promessas no sacramento da reconciliação que obtemos a cura interior, a reintrodução no coração da Igreja, o reatamento da comunhão com o Senhor e com os membros de sua família.

De fato, irmãos caríssimos, o bom Deus não se cansa de nos buscar com o remédio para a lepra e o pecado, o remédio que nos resgata para a comunhão do povo santo. Se em Israel são os sacerdotes a declarar a pureza ritual após a eventual cura da lepra, no Novo Testamento, é o Sumo e Eterno Sacerdote, o verdadeiro Cordeiro que tira o pecado do mundo, quem nos reconcilia com o Pai e nos reintroduz no seio da comunidade dos regenerados. As curas das enfermidades físicas realizadas por Jesus são sempre sinais do perdão dos pecados que o Verbo de Deus humanado, Aquele que João Batista aponta como Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo (Jo 1,29).

É bem verdade que enfermidade constitui uma característica típica da condição humana, como Santo Agostinho expressa bem numa das suas preces: “Tende piedade de mim, Senhor! Vede, não vos escondo as minhas feridas. Vós sois o médico, eu o doente; Vós sois misericordioso, eu miserável” (Conf., X, 39).

Mas prestemos atenção ao Santo Evangelho que acaba de ser proclamado. Nele percebemos que o modo de acolher a Palavra da Lei apresentado no Levítico acarreta dificuldades imensas no ambiente em que Jesus deve atuar o seu ministério.

III. “Se quiseres, tens o poder para me purificar!” (Mc 1,40)
Caros amigos, bem sabemos que nestes domingos, o Evangelho de Marcos nos apresenta Jesus que, no início do seu ministério público, se dedica completamente à pregação e à cura dos enfermos nos povoados da Galileia. Os inúmeros sinais prodigiosos que Ele realiza nos doentes confirmam a “boa nova” do Reino de Deus. Cristo é o verdadeiro «médico» da humanidade, que o Pai celeste enviou ao mundo para purificar o homem, assinalado no corpo e no espírito pelo pecado e pelas suas consequências.

“Hoje, o trecho evangélico narra a cura de um leproso e expressa com grande eficácia a intensidade da relação entre Deus e o homem, resumida num diálogo maravilhoso: ‘Se quiseres, tens o poder para me purificar!’, diz o leproso. ‘Quero, sê purificado!’, responde-lhe Jesus, tocando-o com a mão e purificando-o da lepra (cf. Mc 1, 40-42). Vemos aqui, como que concentrada, toda a história da salvação: aquele gesto de Jesus, que estende a mão e toca o corpo chagado da pessoa que o invoca, manifesta perfeitamente a vontade de Deus, de curar a sua criatura decaída, restituindo-lhe a vida ‘em abundância’ (Jo 10, 10), a vida eterna, repleta, feliz. Cristo é ‘a mão’ de Deus estendida à humanidade, para que a mesma consiga sair das areias movediças da doença e da morte, erguer-se sobre a rocha sólida do amor divino (cf. Sl 39, 2-3)” (Bento XVI, Angelus 12-II-2006).

Observemos com atenção como Jesus vem para libertar os sofredores do povo de Deus. Se a Lei – como dizia pouco antes – declarava o leproso impuro e transmissor da impureza àquelas pessoas que tocava, ou aos lugares em que entrava, Marcos deixa bem claro que “Jesus, cheio de compaixão, estendeu a mão, tocou nele” (Mc 1,42). Pelas prescrições da Lei antiga, Jesus, o Verbo de Deus, a fonte de toda a pureza, deveria ser considerado impuro e excluído do convívio comunitário. Mas, paradoxalmente, ao toque de Jesus “no mesmo instante a lepra desapareceu e ele ficou curado” (ibid.).

Por isso continuamos a dizer que Cristo é o verdadeiro “médico” da humanidade, que o Pai celeste enviou ao mundo para purificar o homem. Nosso Senhor não é um curandeiro falaz. É antes Aquele que cura o mal radical da nossa alma, da nossa humanidade: o pecado que nos leva à mais profunda e radical solidão – contrária à natureza pessoal ou relacional do homem – nos entrega ao poder da própria morte. Jesus não é apenas o médico, Ele é também o remédio de imortalidade. Tocados por Cristo, temos a vida eterna, que consiste em conhecê-lo, em entrar na sua intimidade.

“As árvores do Éden / foram dadas como alimento ao primeiro Adão. / Para nós, o jardineiro do Jardim / tornou-se pessoalmente comida / para as nossas almas” (S. Efrém, o Siro). Passemos agora, da Palavra proclamada ao Verbo, jardineiro do Jardim de nossas almas, que se torna pessoalmente comida para nossas almas. Ele quer hoje mesmo nos purificar, limpar de nossos pecados pela sua graça para viver em nós, para fazer de nós Sua morada. É Ele, presente e vivo na Eucaristia, o verdadeiro “fármaco de imortalidade” (cf Missal Romano, Super oblata, IV Terça-feira da Quaresma). No mistério do sacrifício eucarístico, em que os sacerdotes realizam a sua função principal, exerce-se continuamente a obra da nossa Redenção (cf Missal Romano, Super Oblata In coena Domini). Na obra da nossa redenção o Senhor se entrega continuamente pelo nosso resgate.

Não sem razão o belíssimo hino eucarístico Adoro te devote assim diz:
Pie pellicáne Jésu Domine,
Me immundum munda túo sánguine,
Cújus una stílla sálvum fácere
Tótum múndum quit ab ómni scélere”. Senhor Jesus, bondoso pelicano,
Lava-me, eu que sou imundo, em teu sangue
Pois que uma única gota faz salvar
Todo o mundo e apagar todo pecado.

Inclusive, irmãos, uma só gota do precioso Sangue (cuiús una stilla) consagrado em cada Missa, neste nosso altar, é um remédio para a eternidade, um fármaco de imortalidade. Não é um medicamento temporal, deste mundo, mas um remédio para o reino imperecedouro.

O Doutor da Graça nos diz que “a Eucaristia e o pão de cada dia, que toma como remédio para a fraqueza de cada dia”. No Concílio de Trento, o Espírito Santo nos recorda que “a Eucaristia é o Remédio pelo qual somos livres das falhas cotidianas e preservados dos pecados mortais”. É o Corpo Santo do Senhor que fortalece os nossos corações para nos desapegarmos de vez das faltas e nos prepara para sermos verdadeiramente perfeitos como o Pai. Com amor materno, a Igreja nos lembra ainda que o Corpo Santo do Senhor é também o viático que consola os doentes na derradeira viagem desta vida para a Jerusalém celeste. Não consintamos que, por negligência nossa, falte a irmão algum o consolo do viático e da unção dos enfermos.

IV. “Sede meus imitadores, como também eu o sou de Cristo” (1 Cor 11,1)

Este mandato apostólico de Paulo aponta para Cristo Samaritano celeste, que sabe aproximar-se dos doentes curá-los com o seu toque compassivo. O amor é compassivo… E tudo para a glória de Deus.

Nós pessoalmente e como comunidade eclesial somos chamados a ser as mãos do Samaritano celeste para tocar os doentes com a força da misericórdia e da compaixão. “Os doentes, os frágeis, os pobres estão no coração da Igreja e devem estar também no centro de nossas solicitudes humanas e cuidados pastorais. Não nos esqueçamos!” (Papa Francisco).

O ministério dos sacerdotes começa pela pregação evangélica, tira do sacrifício de Cristo a sua força e a sua virtude, e tende a fazer com que “toda a cidade redimida, isto é, a congregação e a sociedade dos santos, seja oferecida a Deus como sacrifício universal pelo grande sacerdote, que também se ofereceu a si mesmo por nós na Paixão para que fôssemos o corpo de tão nobre cabeça” (S. Agostinho, De civitate Dei, 10, 6: PL 41, 284).

Por isso, aconselha S. Policarpo de Esmirna aos cristãos de Filipos: “os presbíteros sejam inclinados à compaixão, misericordiosos para com todos, conduzam ao bom caminho os extraviados, visitem todos os doentes, não desprezem as viúvas, os órfãos e os pobres; mas, ao contrário, sejam sempre solícitos pelo bem junto de Deus e dos homens, abstenham-se da ira, da acepção de pessoas, dos juízos injustos; vivam longe de toda a avareza, não acreditem facilmente no que dizem contra outrem, não sejam demasiado severos nos juízos, conscientes de que todos somos devedores do pecado” (Epíst. aos Filipenses, VI, 1).

Somo chamados a ser perfeitos, perfeitos no amor misericordioso do Pai, no amor que cura os enfermos. A missão do Senhor de sanar os enfermos foi confiada à Igreja, por meio dos Apóstolos. Não há, portanto, nenhum membro que não tenha parte na missão de todo o corpo, mas cada um deve santificar Jesus no seu coração, e dar testemunho de Jesus com espírito de profecia dos bens messiânicos confiados à Igreja, na Palavra, nos Sacramentos e na comunhão fraterna.

Enfim, amigos, como não lembrar que hoje, que é também dia de nossa Senhora de Lourdes, que a Igreja celebra também como XXXII Dia Mundial do Doente. Na sua mensagem por ocasião deste dia, o Santo Padre coloca diante da Igreja a palavra do Genesis: “Não é bom que o homem esteja só” (Gn 2,18). O Papa nos convida a rejeitar a cultura do descarte, que abandona os idosos e os enfermos. Ele nos chama a tomar parte da missão de cura e de salvação própria do Senhor: “Olhemos – diz o Papa – para o ícone do Bom Samaritano, contemplemos a sua capacidade de parar e aproximar-se a ternura com que trata das feridas do irmão que sofre”. Ao nos aproximarmos dos irmãos que sofrem, o nosso rosto resplandecerá de alegria, como aquela que transformou a vida dos discípulos ao verem o Senhor ressuscitado (cf. Jo 20,20b).

Por tudo isso, caros amigos, hoje, gostaria de confiar a Maria «Salus infirmorum» todos os doentes da nossa diocese, das nossas paróquias, pessoas do nosso convívio, especialmente os que, além da falta de saúde, padecem também por causa da solidão, da miséria e da marginalização. Vai aqui o meu particular afeto paterno a quantos, nos hospitais e em todos os outros centros de assistência à saúde, cuidam dos doentes e trabalham pela sua cura. Deus derrame sobre todos os profissionais da saúde copiosas bênçãos celestes.

A Virgem Santa Maria nos ajude a levar aos doentes um verdadeiro alívio para o corpo e o espírito. Que Ela interceda por nós e nos ajude a glorificar a Deus com as nossas vidas libertas da enfermidade espiritual do pecado e da morte.

Louvado seja nosso Senhor Jesus Cristo.

Diocese de Itumbiara
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A Diocese de Itumbiara foi criada no dia 11 de outubro de 1966, pelo Papa Paulo VI, desmembrada da Arquidiocese de Goiânia; seu território é de 21.208,9 km², população de 286.148 habitantes (IBGE 2010). A diocese conta 26 paróquias, com sede episcopal na cidade de Itumbiara-GO.

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