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A Mesa da Palavra – Exéquias de Dom Antônio Fernando Brochini – Liturgia do V Domingo da Quaresma – Ano B

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A MESA DA PALAVRA
Exéquias de Dom Antônio Fernando Brochini
(Liturgia do V Domingo da Quaresma)
17 de março de 2024

“Em verdade vos digo: se o grão de trigo cair na terra e não morrer, fica só ele: mas se morrer, dá muito fruto” (Jo 12,24)

Caríssimos irmãos no Episcopado,

Prezados irmãos no sacerdócio de Jaboticabal e de Itumbiara, em cujas pessoas saúdo todos os irmãos presbíteros e diáconos,

Prezados irmãos Estigmatinos, irmãos de hábito do nosso querido e já saudoso Dom Antônio Fernando, em cujas pessoas saudamos todos os sacerdotes religiosos aqui presentes,

Estimadas irmãs consagradas ao serviço do Senhor e do Seu povo nesta Igreja particular, Exmo.

Sr. Marconi Perillo, ex-governador de Goiás,

Exmo. Sr. Dione Araujo, dd. Prefeito de Itumbiara, em cuja pessoa saúdo os senhores prefeitos aqui presentes,

Exmas. autoridades do Poder Legislativo, que saúdo na pessoa do Dep. Daniel Agrobom,

Exmas. autoridades do Poder Judiciário,

Exma. e mui prezada Dra. Ana Paula Sousa Fernandes, coordenadora das promotorias de Itumbiara,

Queridos familiares de Dom Antônio Fernando, (a casa é sempre dos senhores, continuam a ser nossa família também)

Diletos diocesanos, filhos espirituais de Dom Antônio Fernando,

Sexta-feira regressando de Brasília ao fim de uma reunião da CNBB, no meio do caminho, já entre Anápolis e Goiânia, recebi um telefonema comunicando que Dom Fernando tinha sido levado para a UTI, perguntando se eu iria dar a Unção dos Enfermos. Eu disse que iria vê-lo, mas o Padre José Luiz estivesse mais próximo; e assim se fez. Pouco tempo depois, quando o sinal telefônico voltou, veio um novo telefonema: Dom Fernando havia sido entubado. Antes perto da entrada de Goiatuba, a notícia do falecimento. Tomei o terço na mão e vim rezando pela alma do querido irmão e amigo, Dom Fernando. Conselheiro prudente, presença discreta e respeitosa do irmão menos experiente a quem transmitiu a cátedra… tão pouco tempo, apenas seis meses.

Como não experimentar, especialmente nestes dias de quaresma, a dor do luto mesclada com uma serena esperança? Aproxima-se aproxima a Paixão do Senhor! Como nos sentimos confortados pela esperança da Páscoa!

Nosso querido pastor e irmão, nestas últimas semanas, experimentou as dores que a Providência amorosa de Deus lhe permitiu experimentar em união com os do Senhor Jesus. Experimentou os sagrados Estigmas que lhe foram fortemente consoladores. Sentiu a presença dos Santos Esposos que lhe acudiram através de anjos amorosos que o acompanharam. No exemplo de aceitação do sofrimento de São Gaspar Bertoni, fundador dos Estigmatinos, o nosso querido Dom Fernando hauriu as forças espirituais para lutar contra a enfermidade e continuar a se oferecer pelo rebanho de Cristo que ele me entregou e continuou a amar juntamente comigo.

Apesar dos sofrimentos e da doença, como São Gaspar, manteve sempre uma grande esperança cristã, por causa de sua fé em Cristo, Aquele que conserva no corpo ressuscitado os sinais da Paixão. Dom Antônio Fernando nutriu e propagou também uma grande devoção aos Santos Esposos, Maria e José, que são os padroeiros da Congregação Estigmatina.

Sexta-feira, dia em que a Igreja recorda a Paixão do Senhor, o nosso emérito foi internado na UTI, em seguida entubado e poucas horas depois entregou seu espírito ao Senhor da Vida. Longos dias unido à Cruz de Cristo, oferecendo tudo como no altar pelo bem da nossa Igreja, pelas vocações e pela santificação do clero e do povo de Deus. Agora ele permanece unido a nós como o grão de trigo sepultado junto aos fundamentos desta Catedral para dar muitos frutos. Frutos de santidade, de vocações, de bom pastoreio. Leve com o seu anel de fidelidade, com a sua casula de bom pastor e agora a estola da imortalidade, todos os sonhos do Bom Pastor da nossa Igreja.

Dom Fernando, permita-me, desta Cátedra que me entregou dia 9 de setembro passado, falar do seu grande amor, falar do Evangelho que nosso Senhor escreveu na sua vida de sacerdote e religioso estigmatino. É o Evangelho que nos aproxima da Paixão do Senhor e nos torna confiantes na vitória sobre a morte.

Já vai adiantado o tempo da Quaresma, tempo forte de reconciliação com o Senhor e propício à nossa conversão. O Senhor chegou conosco até bem perto do Quinto Domingo, que no usus antiquior do Rito Romano era chamado Primeiro Domingo da Paixão. Neste Missal atualmente em uso, aparece um claro vestígio da proximidade da Paixão precisamente nas indicações do formulário da missa desse domingo. O antigo uso de cobrir as imagens e cruzes a partir deste domingo pode conservar-se. As cruzes permanecem veladas até o seu solene descerramento na Celebração da Paixão do Senhor na Sexta-Feira Santa. As demais imagens sacras permanecem veladas até o início da Vigília Pascal. Parece evidente o zelo da Igreja em concentrar a atenção dos nossos olhos somente ao mistério da sagrada paixão de nosso Senhor.

Para nós este Domingo se enche de especial significado, porque desde sexta-feira estamos mergulhados no luto, com os olhos marejados e obscurecidos. Só a esperança da ressurreição, só a luz da Páscoa nos permitirá voltar a ver no esplendor da multicor beleza das nossas Igrejas e das imagens dos nossos santos, o reflexo da beleza do céu, da Jerusalém celeste. Esta beleza, querido irmão, você já pode contemplar no gozo do ágape celeste, perto dos Santos Esposos, de São Gaspar, da nossa querida Santa Rita de Cássia.

Este domingo começa a remeter-nos de modo mais intenso ao coração do anúncio cristão, ao ineludível mistério da Paixão, Morte e Ressurreição de nosso Senhor Jesus Cristo. É Ele que nos “faz justiça” na Cruz, entregando-se à morte no seu amor pelo mundo. É Ele que nos cura do veneno da antiga serpente. Sua morte se torna antídoto para a nossa.

“A paciência de uma vida perfeita”

A Coleta rezada hoje se inspira em uma oração do Rito Hispano-Moçárabe que assim reza: “Ó Cristo Deus, que suportastes ser suspenso entre inimigos suportando o ultraje da Cruz, dai-nos a paciência de uma vida perfeita, para que com a vossa ajuda sejamos encontrados também nós perfeitos na caridade pela qual, vós amando o mundo, por ele vos submetestes à morte”.

A nossa oração coleta dirige-se ao Pai (conforme o uso Latino) e nela pedimos a graça de “caminhar com alegria na mesma caridade, no mesmo amor, que levou Cristo a entregar-se à morte no seu amor pelo mundo”. De fato, Deus amou tanto o mundo que enviou seu Filho unigênito para que o mundo seja salvo por Ele. (cf. Jo 3,16-17). A exigência que nos faz o Senhor é que creiamos nele. Quem crer e for batizado será salvo (cf Mc 16,16), será justificado, pois o Senhor faz justiça, é Ele a minha fortaleza e o meu refúgio.

A “paciência de uma vida perfeita” pedida na oração Moçárabe, na coleta do nosso Missal se converte em um “caminhar na alegria da caridade” com que o Senhor Jesus Cristo amou o mundo a ponto de se entregar. A alegria evocada domingo passado continua a permear a nossa penitência quaresmal. A penitência quaresmal, na medida em que tira os obstáculos da nossa comunhão com o Senhor, torna-se fonte da nossa perfeição no amor. Caminhar com alegria na mesma caridade de Cristo é precisamente a graça que a Igreja suplica para os seus filhos nesta oração.

Esta alegria nasce da ação soberana de Deus nosso Pai, que nos liberta da impiedade e da mentira. Ele é assim, o nosso refúgio e fortaleza. Por isso não tememos nem mesmo as nossas fragilidades mais evidentes. “O Senhor é a minha luz e a minha salvação. A quem temerei?”.

“Concluirei uma nova aliança e não mais lembrarei o seu pecado” (cf Jer 31, 31.34). Sabemos chegou o tempo preanunciado de uma nova aliança. Foi no sacrifício da Cruz que Cristo selou a nova e eterna aliança. Na Ceia com os discípulos Ele mesmo antecipou de modo ritual, litúrgico, o sacrifício cruento da Cruz dizendo: “Este cálice é a nova aliança no meu sangue”. Depois, do sacrifício de Jesus, do seu lado aberto jorraria o Espírito Santo e a força dos sacramentos. Recebendo a Eucaristia e o dom do Espírito Santo entramos na nova e eterna Aliança.

Ao recebermos no Batismo a nova condição de participantes da natureza divina mediante o dom do Espirito de adoção filial, somos regenerados, purificados, iluminados. E quando, após o Batismo, a experiência do pecado de novo nos abate, precisamos clamar como Davi “criai em mim um coração que seja puro, dai-me de novo um espírito decidido” (Sl 50,42). A Mãe Igreja nos ensina a suplicar confiantes, nos louvores vespertinos da quaresma: “Por vossa graça, perdoai / as nossas culpas do passado; / contra as futuras protegei-nos, / manso Jesus, Pastor amado”.

Dom Antônio Fernando viveu dessa Aliança. Como filho de Deus e como sacerdote desta nova Aliança, viveu para celebrá-la e fazer dar frutos na vida das ovelhas do rebanho que Cristo lhe confiou. Agora pedimos que o Céu se lhe abra para que, liberto da humana fragilidade, interceda eternamente por nós, peregrinos do Reino.

O hagiógrafo da carta aos Hebreus descreve em pormenor as angústias sofridas por Cristo “nos dias de sua vida mortal” quando “dirigiu preces e súplicas, com forte clamor e lágrimas àquele que tinha poder de salvá-lo da morte” (Hb 5,7). Essa clara alusão às lágrimas derramadas no Getsêmani e ao brado do Calvário (cf Mc 15,34) precede a afirmação de que o Filho acolhe voluntariamente a vontade do Pai por ter aprendido “o que significa a obediência por aquilo que ele sofreu” (Hb 5,8). Na condição de Filho do Eterno Pai, não era necessário enfrentar a morte nem aprender pelo sofrimento a obediência. Contudo, o Filho aceitou ambas as coisas para se tornar-se “causa de salvação eterna para todos os que lhe obedecem” (Hb 5,9).

Quão sublime é o amor do Senhor por nós! Na Paixão fica patente este amor, fica evidente que o caro preço do nosso resgate (cf I Cor 6,20) foi o Seu precioso Sangue derramado na Cruz, “cuius uma stilla salvum facere totum mundum quit ab omne scelere” (Hino Adoro te devote).

Tão grande oferta de amor, exige a correspondência repleta de gratidão, expressa no amor obediente à vontade do Pai que, pela ação do Espírito Santo, podemos conhecer, amar e obedecer, para a nossa salvação e maior glória do Deus uno e Trino.

Dom Antônio Fernando procurou com a profissão dos conselhos evangélicos e por sua entrega sacerdotal corresponder ao amor apaixonado de Deus por nós. Nos últimos dias parecem se aplicar bem a ele as palavras do Senhor: ele acolheu voluntariamente a vontade do Pai aprendendo “o que significa a obediência por aquilo que ele sofreu” (Hb 5,8). Obediência de amor.

“Senhor, queremos ver Jesus” (Jo 12, 21) Os gregos, os gentios procuram Jesus, querem vê-lo. E o Senhor anuncia de novo a Paixão, a sua exaltação na Cruz, apresentando-a como o mistério da Sua glorificação e da Sua obediência à vontade do Pai. Os gregos e os discípulos não verão um messias glorioso, mas um Servo Sofredor que salva o mundo pelo seu amor de oblação.

Jesus revela abertamente que a Sua glorificação se realizará na morte, de modo análogo ao grão de trigo que morre para germinar em novas espigas. A Sua obediência usque ad mortem, mortem autem crucis, produz muito fruto. O fruto da morte de Jesus, o fruto de ser Ele o grão de trigo caído na terra, será o nascimento do novo povo de Deus. Com Sua morte cai o muro que separava a humanidade entre gentios e judeus. Agora gregos e hebreus, homens de toda raça e nação, todos os redimidos pelo Sangue de Jesus são irmãos da mesma família dos filhos de Deus.

Jesus não pede que o Pai o livre da hora da Cruz, mas que preserve na verdade os seus discípulos. “Quando for elevado sobre a terra, na Cruz, Jesus atrairá a Si todos os homens e ao mesmo tempo, tributará ao Pai a máxima glória que lhe é devida” (Meditação n. 83, B).

Um desejo ardente da vida do nosso amigo era ver o rosto do Senhor. A história da salvação não consistiu em mostra o clamor permanente do povo eleito “vultum tuum requiram, Domine”?

Aqui nos cabe também a nós olhar para o espelho da alma e fazer a pergunta que muitas vezes dom Fernando se fez a si próprio: Qual Jesus procuramos? Procuramos uma religião sem cruz, insípida e indolor. Uma religião compatível com a mundanidade dos prazeres desordenados e os deboches da cultura sem Deus, da cultura da morte?

Aquela pergunta de Jesus aos discípulos quando da confissão de Pedro retorna: “E vós? Quem dizeis que eu sou?”. Se Jesus passasse hoje pelas ruas e casas de Itumbiara, pela minha casa, ou pelo portão de casa, seria tratado melhor do que foi em sua terra natal? Sua pregação seria acolhida? Seu amor pelos pobres seria compreendido? Deixaríamos para trás as tradições religiosas incompatíveis com o Evangelho para ser amigos de Cristo? Ou diríamos: aqui a gente sempre fez assim?

E Jesus nos diz como nos atrairá a Si: “Quando eu for elevado da terra atrairei todos a mim” (Jo 12,32). Sejamos sinceros: quantos de nós seriam atraídos por Jesus que caminha para o Calvário? Sim, era o caminho do amor de Jesus pela salvação do mundo. Mas conseguiríamos ir além do que se podia ver com nossos frágeis olhos humanos: um rebotalho de homem, era objeto da chacota e do deboche dos mesmos que antes lhe pediam – e talvez tenham conseguido – sinais e milagres?

Quando a expectativa da morte nos coloca diante das questões essenciais da existência humana, a serena alegria e a paz do Evangelho da Cruz, dos Estigmas de nosso Senhor, nos ajudam a realizar o necessário e supremo ato de abandono na amorosíssima vontade do Senhor.

Que a Virgem Mãe das Dores nos acompanhe nestas duas semanas, que nos faça acolher a vontade do Pai como o Seu divino Filho a abraçou, mesmo com a trepidação de sua humanidade.

Concluo com as palavras do Prefácio da missa pelos mortos: “Nele brilha para nós a esperança da feliz ressurreição; e, se a certeza da morte nos entristece, conforta-nos a promessa da futura imortalidade. Senhor, para os que creem em vós, a vida não é tirada, mas transformada e, desfeita a nossa morada terrestre, nos é dada uma habitação eterna no céu” (MR, Prefácio dos Defuntos I).

Querido Dom Fernando, não descanse em paz. No céu não há tédio. O Pai trabalha. Lá o trabalho não cansa. Continue a trabalhar, como sempre fez, lá da mansão celeste intercedendo pela sua, pela nossa Igreja de Itumbiara, pelo seu povo fiel. Nós, entrementes, “aguardamos a feliz esperança e a vinda de nosso Salvador, Jesus Cristo”.

Querido Dom Fernando, como Cardeal Ratzinger nas exéquias de São João Paulo II, aqui elevo olhar para o céu e imagino uma janela aberta, com o seu rosto sereno olhando para nós. E lhe peço, abençoe-nos uma vez mais, abençoe-nos da Jerusalém celeste. E não descanse em paz!!!

Para o nosso consolo, rezo as orações de dois grandes Padres da Igreja por falecidos que lhes eram caros:

“Senhor e Deus, não se pode desejar para os outros mais do que se deseja para si mesmo. Por isso te suplico: não me separes depois da morte daqueles que amei tão ternamente aqui na terra. Faz, Senhor, to suplico, que, onde eu estiver, estejam os outros comigo, para que, no céu, possa alegrar-me com a sua presença, já que na terra me vi tão depressa privado deles. Peço-Te, Deus soberano, que acolhas depressa estes vossos filhos amados no seio da vida. Em vez da sua vida terrena tão breve, concedei-lhes a felicidade eterna”. (Santo Ambrósio, De obitu Valentiniani, 81).

“Ó Senhor e Criador do Universo e especialmente do homem criado à Tua imagem; Deus dos homens, Pai, Senhor da Vida e da morte; Tu conservas e enches de bênçãos as nossas almas; Tu transformas tudo com a obra do Teu Verbo e na hora estabelecida e segundo a disposição da Tua sabedoria; acolhe hoje os nossos irmãos defuntos como primícias da nossa peregrinação… Oxalá nos acolhas também a nós, no momento que for do Teu agrado, depois de nos teres guiado e mantido na carne todo o tempo que Te parecer útil e salutar. Oxalá nos acolhas preparados pelo Teu temor, sem perturbação e vacilação, no último dia. Faz que não deixemos com pena as coisas de terra, como acontece aos que se apegam excessivamente ao mundo e à carne; faz que nos dirijamos resolutos e felizes para a vida perene e bem-aventurada que se encontra em Cristo Jesus, nosso Senhor, a quem seja dada a glória pelos séculos dos séculos. Amém”. (S. Gregório Nazianzeno, Oração pelo irmão Cesário, 24)

Louvado seja nosso Senhor Jesus Cristo!

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A Diocese de Itumbiara foi criada no dia 11 de outubro de 1966, pelo Papa Paulo VI, desmembrada da Arquidiocese de Goiânia; seu território é de 21.208,9 km², população de 286.148 habitantes (IBGE 2010). A diocese conta 26 paróquias, com sede episcopal na cidade de Itumbiara-GO.

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