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A Mesa da Palavra – 16º Domingo do Tempo Comum

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A MESA DA PALAVRA
Dom José Aparecido Gonçalves de Almeida
XVI DOMINGO DO TEMPO COMUM
Itumbiara, 21 de julho de 2024

“O Senhor reconforta a minha alma, guia-me por caminhos retos” (Sl 22,3)

Diletos irmãos no Senhor,

I. “Senhor, … multiplicai neles os dons da vossa graça” (Coleta)

Ao iniciar a nossa missa, após o ato penitencial e o hino de louvo, recolhi a oração da comunidade na belíssima coleta de hoje, em que a Igreja reúne suas intenções na presença do Pai: “Senhor, sede propício a vossos fiéis, e, benigno, multiplicai neles os dons da vossa graça, para que, fervorosos na fé, esperança e caridade, perseverem sempre vigilantes na observância dos vossos mandamentos” (MR 2008, Collecta, XVI Dom. per Annum)1.

Esta antiga oração foi extraída do Bergomense, um Sacramentário Ambrosiano, da segunda metade do século IX2. A expressão spei, fidei et caritatis amore presente no Bergomense aparece no Missal Romano 2008 assim modificada: spe, fide et caritate. Em vez de fervorosos no amor de fé, de esperança e de caridade, rezamos assim: fervorosos na fé, esperança e caridade. O retoque modifica levemente a súplica feita a Deus colocando as três virtudes teologais como expressão de um amor que leva a guardar vigilantes os mandamentos. Lembra as palavras de Jesus: “Quem acolhe os meus mandamentos e os observa, esse é que me ama” (Jo 14,21). Aqui a observância dos mandamentos aparece como sinal de que há amor ao Senhor. Esta observância não é apenas fruto de esforço humano, é obra da graça de Deus em nós. E de fato, no mesmo versículo, Jesus diz que serão amados pelo Pai os que O amam: “Quem me ama será amado por meu Pai, e nós viremos a ele e nele faremos a nossa morada”.

Aparece também uma alusão à inabitação da Trindade na alma, expressão clássica da teologia católica para falar do modo como as Pessoas divinas vêm habitar na alma do fiel mediante a graça santificante. A experiência frequente das batalhas perdidas no combate espiritual nos ensina que, sem o auxílio dos dons oferecidos pelo bom Deus, ninguém é capaz de suscitar as virtudes necessárias para guardar os divinos mandatos. A inabitação na fé que opera pela caridade traz, junto com a graça santificante, as graças necessárias para cumprirmos o mandatum novum, o mandamento do amor deixado por Jesus como seu testamento. De sorte que, a partir da nossa comunhão com Deus, da inabitação, podemos dizer com o Apóstolo: “tudo posso naquele que me fortalece” (Flp 4,13).

A igreja reunida para a oração e a sinaxe suplica ao Senhor a graça e o fervor necessários para ouvir a Palavra e nutrir-se do Pão vivo descido do Céu; e roga encontrar nessas duas mesas a força para viver como quem ama a Deus. É pelo ministério dos sagrados 1 Tertia editio Typica: “Propitiare, Domine, famulis tuis, et clementer gratiaes tuae super eos dona multiplica, ut, spe, fide et caritate ferventes, semper in mandatis tuis vigili custodia perseverent”. 2Sacramentarium Bergomense. Manoscritto del secolo IX da Biblioteca di S. Alessandro in Colonna in Bergamo, ed. A. Paredi – G. Fassi, Bergamo, Edizioni Monumenta Bergomensia 1962. pastores que a Igreja nos oferece o alimento celeste para vivermos aqui como filhos e alcançarmos a herança eterna.

O tema do Deus que apascenta o rebanho, do Deus-pastor, que evoca a promessa de um Messias-pastor, é recorrente na Liturgia Romana, que de bom grado se serve dos textos proféticos em conexão com passagens evangélicas referentes ao Messias Bom Pastor. A Mesa da Palavra deste domingo nos convida colocar nossa atenção no alerta profético contra os maus pastores e na promessa de Deus de suscitar novos pastores.

Retomemos a escuta atenta da Palavra do Senhor.

II. “Eu reunirei o resto de minhas ovelhas … Suscitarei para elas novos pastores…” (Jer 23,3.4).

As ovelhas da casa de Israel se encontram dispersas e abandonadas, como se foram ovelhas sem pastor. Pastores desmazelados e falsos deixam o povo sem a força da Palavra profética. Semana passada vimos o modo como os asseclas do rei de Israel trataram Amós para defender o santuário de Betel e impedir a dureza das palavras ditadas por Deus para corrigir e tirar o povo da idolatria. O sincretismo com os cultos idolátricos cananeus era certamente cômodo aos propósitos políticos do rei. As alianças confiadas apenas nas forças ou nos projetos humanos não garantem a segurança do povo. Deus reprova duramente os falsos profetas por terem deixado perder-se e dispersar as ovelhas por Ele escolhidas para ser Seu Rebanho.

A primeira leitura de hoje nos mostra pela boca de Jeremias o Deus de Israel que condena o comportamento dos maus pastores, maus por malícia ou por desmazelo. Em vez de reunir as ovelhas da casa de Israel eles as dispersam; em vez de as guardar, deixam-nas expostas aos perigos e à morte. Em suas entranhas de misericórdia para com o Seu pequeno rebanho, Deus promete castigar tanto os pastores maus quanto os desmazelados: “Eis que irei verificar isto entre vós e castigar a malícia das vossas ações” (Jr 23,2)

Esta promessa de castigo para os maus pastores não grava apenas sobre os tempos passados. O nosso sacerdócio da Nova Aliança – tanto o sacerdócio ministerial como o sacerdócio comum dos fiéis – não pode ficar maculado nem pela malícia, nem pela preguiça ou desmazelo. As ovelhas deixadas sem pastor procurarão quem as apascente. E talvez encontrem alguém que as pastoreie, eventualmente com alimento inadequado, quiçá levandoas a cultuar uma falsa imagem do Deus verdadeiro ou verdadeiras imagens de falsos deuses. Quem é chamado ao ofício de pastor não deve ter medo do cansaço. “Vós nos preparais uma eternidade feliz, com os meios que só Vós conheceis, fazendo-nos trabalhar penosamente, quanto nós, crianças pequenas, quereríamos descansar” (C. de Foucauld, Carta, 5-IV-1909). Percorreremos o Caminho sob o cansaço da Cruz, mas com a certeza de que Ele nos leva à Verdade e à Vida.

Apascentar é ofício de amor, de incansável amor. Quem ama o Senhor, quem guarda as suas palavras, não se furta a compartilhar o tesouro da intimidade divina (o depositum fidei) que recebemos do zelo amoroso dos que nos precederam. Este tesouro de fé e de amor, somos chamados a transmiti-lo com igual amor às gerações vindouras. Se falharmos, Deus não falha. Se formos negligentes, certamente Deus não o é. Mas nós correremos o risco de perder a alegria do Evangelho, a eternidade feliz preparada para nós desde antes da criação do mundo. “Deus quer para nós a vida, quer guiar-nos para pastagens boas, onde podemos alimentarnos e repousar; não quer que nos percamos e que morramos, mas que cheguemos à meta do nosso caminho que é precisamente a plenitude da vida. É quanto deseja cada pai e mãe para os próprios filhos: o bem, a felicidade, a realização” (Bento XVI, Angelus, 22-07-2012).

Ele, porém, promete reunir o resto de suas ovelhas, suscitar para elas novos pastores que as apascentem, que exerçam com generosa fidelidade este ofício de amor. O Salmo 22 nos apresenta a promessa de um bom pastor que nada deixa faltar às Suas ovelhas “o Senhor é o meu pastor e nada me falta”.

É preciso prestar atenção aos sinais que o Senhor manda à Igreja para que acolha todas as vocações para o pastoreio do Seu rebanho e as alimente. Penso especialmente nas vocações ao ministério sacerdotal, pelas quais suplicamos instantemente: “Enviai, Senhor, operários para a vossa messe, pois a messe é grande…”. A nossa Igreja de Itumbiara estará sempre atenta, Senhor!

III. «Vinde comigo para um lugar deserto e descansai um pouco» (Mc 6,31)

O Evangelho da liturgia de hoje (Mc 6, 30-34) narra que os Apóstolos, depois de ter regressado da missão, se reúnem à volta de Jesus e contam-lhe o que fizeram; então Ele dizlhes: «Vinde comigo para um lugar deserto e descansai um pouco» (v. 31). Nós sabemos que é impossível ter-se um apostolado fecundo sem estas pausas reparadoras aos pés do Divino Mestre. Como nos fazem bem estas pausas, ainda que breves, destinadas a cobrar novas forças, não apenas físicas, mas sobretudo espirituais. Os nossos retiros, os tempos de oração e adoração. É preciso defendê-los com ciúmes, com zelo extremado. Estar a sós com Jesus, num lugar separado ou deserto é condição para preservarmos a intimidade e a amizade com o Senhor que nos impele às lides evangelizadoras. Os Apóstolos, como o nosso Mestre, devem ser zelosos pastores dos pobres das periferias geográficas e existenciais. A dedicação aos pobres não nos separa do Senhor, antes nos une mais de perto a Ele e aos que Ele ama com predileção (cf Mt 25,31-46).

Algumas vezes a caridade nos impedirá de guardar todo o tempo previsto para a oração. Mas podemos lembrar o conselho de São Vicente às irmãs da Caridade: “Deve-se preferir o serviço dos pobres a tudo mais e prestá-lo sem demora. Se na hora da oração for necessário dar remédios ou auxílio a algum pobre, ide tranquilos, oferecendo a Deus esta ação como se estivésseis em oração. Não vos perturbeis com angústia ou medo de estar pecando por causa de abandono da oração em favor do serviço dos pobres. Deus não é desprezado, se por causa de Deus dele nos afastarmos, quer dizer, interrompermos a obra de Deus para realizá-la de outro modo. Portanto, ao abandonardes a oração a fim de socorrer a algum pobre, isto mesmo vos lembrará que o serviço é prestado a Deus” (S. Vicente de Paulo, Correspondence).

Voltemos ao Evangelho. As pessoas que o viram sair, logo compreendem os seus movimentos e se anteciparam a Jesus. Quando descem do barco, Jesus encontra a multidão à Sua espera. Jesus, enviado pelo Pai para ser o Bom Pastor, com seu coração ardente de amor e zelo, sente compaixão por ela, esquece o descanso e começa a ensinar demoradamente (cf. v. 34). Parece que só descansa no seu amor compassivo, amor operante.

As profecias de Jeremias encontram em Jesus o seu pleno cumprimento. Ele, Jesus, encarna Deus Pastor com o seu modo de pregar e com as suas obras, ocupando-se dos doentes e dos pecadores, de quantos estão «perdidos» (cf. Lc 19, 10), para os reconduzir para um lugar seguro, na misericórdia do Pai. Nos seus gestos mais humanos se reconhecem a mão de um Deus rico em misericórdia.

O Bom Pastor leva as ovelhas que apascenta a verdes pastagens, onde se alimentam. As pequeninas, Ele as nutre com leite, as mais adultas, com alimento sólido. O Bom Pastor conhece as necessidades de cada uma. Mesmo o nosso descanso deve de alguma maneira converter-se em atividade apostólica. Na solidão com o Senhor, entramos em comunhão com o Seu amor de Pastor pelas ovelhas tresmalhadas sobre as quais falaremos com Ele.

IV. “… por Ele, nós podemos, uns e outros, aproximar-nos do Pai, num único Espírito” (Ef 2,18).

A segunda Leitura, extraída da carta aos Efésios, é uma significa reflexão de grande profundidade teológica, logo após o belíssimo hino cristológico do primeiro capítulo. Esta reflexão doutrinal amplia o panorama das profecias antigas, inserindo a missão do Bom Pastor prometido e enviado pelo Pai no quadro da salvação universal. Jesus é o Bom Pastor que atraiu a si as ovelhas tresmalhadas – os povos pagãos – reunindo-as num só rebanho com as ovelhas da Casa de Israel, mais próximas porque já pertenciam ao povo de Deus. Jesus, o Bom Pastor, quis, assim, dos dois povos, judeus e gentios, “em si mesmo um só homem novo, estabelecendo a paz e reconciliando os dois com Deus em um só corpo mediante a cruz, na qual matou a inimizade” (Ef 2,16).

Com efeito, pela Sua morte, todos os homens se tornaram irmãos entre si e filhos do Pai Celeste. Desse modo, “por Ele, nós podemos, uns e outros, aproximar-nos do Pai, num único Espírito” (Ef 2,18). Um só Pastor, um só Pai, um só rebanho e um só redil: eis o fruto da vida que Jesus oferece pelas suas ovelhas.

Por isso, continuaremos a rezar pedindo a Deus que nos seja propício e, em sua bondade, multiplique em nós os dons da Sua graça, para que nós, fervorosos na fé, esperança e caridade, perseveremos sempre vigilantes na observância dos mandamentos. Iluminados pela Palavra e nutridos pela Eucaristia, pelo caminho dos mandamentos chegaremos com muitos novos irmãos à bem-aventurança eterna.

Agora nos aproximamos do Santo dos Santos com nossas ofertas e preces de louvor: “Aceitai esta oblação das mãos dos vossos fiéis e santificai-a, com a mesma bênção que destes à oferta de Abel, a fim de que sirva para a salvação de todos o que cada um trouxe em vossa honra” (MR 2008, Super oblata, XVI Dom. per annum).

Louvado seja nosso Senhor Jesus Cristo!

P.S. Aprouve ao bom Deus conceder-me a graça de celebrar meu 64º aniversário nesta Catedral e neste domingo. Sou grato a minha mãe que vive e reza comigo. Uno a gratidão pela dádiva da vida, bem cedo acolhida nas águas do batismo, com a ação de graças pelo chamamento ao serviço sacerdotal na Santa Igreja, agora como bispo de Itumbiara. A celebração da vida de um homem separado para o ministério encontra plena alegria na sua união com Cristo Bom Pastor. Rezem para que Itumbiara acolha as muitas vocações que Deus está providenciando para santificar a generosidade de nossas famílias.

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A Diocese de Itumbiara foi criada no dia 11 de outubro de 1966, pelo Papa Paulo VI, desmembrada da Arquidiocese de Goiânia; seu território é de 21.208,9 km², população de 286.148 habitantes (IBGE 2010). A diocese conta 26 paróquias, com sede episcopal na cidade de Itumbiara-GO.

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