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A Mesa da Palavra – 12º Domingo do Tempo Comum

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A MESA DA PALAVRA
Dom José Aparecido Gonçalves de Almeida

XII DOMINGO DO TEMPO COMUM
23 de junho de 2024
“Eles despediram a multidão e levaram Jesus consigo, assim como estava na barca”

Caros amigos, I. “Pai nosso que estais nos céus, santificado seja o vosso nome”. Sempre que rezamos o Pai nosso, pedimos que o seu nome seja santificado, que venha o seu Reino e que se cumpra a sua vontade. Aqui a fonte da nossa alegria eterna. quem tem um mínimo de visão realista da vida do homem na terra, não passa despercebida a necessidade que temos da graça de Deus, sobretudo nos momentos de grande tribulação. Não somente para superarmos as adversidades da vida, mas também para agradarmos a Deus pelas obras e pelas nossas mais profundas intenções, de sorte que alcancemos a vida eterna. “Ora, a vida eterna é esta: que eles te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e àquele que tu enviaste, Jesus Cristo” (cf Jo 17,3). Conhecer é mais que uma operação intelectiva, é entrar em comunhão de vida e amor, comunhão que começa na história e nos leva à bem-aventurança no céu. Conhecer a Deus é uma experiência vital de encontro com quem quer fazer morada em nós. Efetivamente, Deus nunca nos abandona. “Jesus nos mostrou que a face de Deus é a de um Pai que nos ama. O pecado e a morte foram derrotados” (Papa Francisco, Homilia em Aparecida, n. 3, 24.VII.2013). Ele acrescenta que é uma experiência contagiante: “Se estivermos verdadeiramente enamorados de Cristo e sentirmos o quanto Ele nos ama, o nosso coração se ‘incendiará’ de tal alegria que contagiará quem estiver ao nosso lado” (Papa Francisco, ibid.).

Por isso cultivamos a reverência e o temor (ευλάβειας και δέους) (cf Hb 12,28) que é dom do Espírito Santo e princípio da sabedoria, mas rechaçamos o medo (φόβον), porque o medo paralisa e não se harmoniza com o amor (cf 1Jo 4,18). Aliás, Jesus censura os discípulos que o acordam na barca pela covardia porque “se amedrontaram com grande medo” (καὶ ἐφοβήθησαν φόβον μέγαν) (Mc 4,41). Esta experiência de estar de noite na barca com Jesus, enquanto o mar está em tormentas pela forte ventania reconhecemos uma experiência da nossa vida na Igreja em meio às tribulações da história. Os discípulos e nós entre eles vamos descobrindo no silêncio do Senhor que dorme na popa da barca uma expressão do seu poder sobre as forças da natureza, sobre as nossas tribulações.

A Igreja reunida em oração nestes tempos difíceis, sente-se bem unida aos Apóstolos que estavam na barca com Jesus e o invocam pedindo que o medo dê lugar ao temor e ao amor. Rezamos pedindo a graça de temer e, ao mesmo tempo, de amar o Santo Nome do Senhor: “Fazei-nos ter sempre, Senhor, igual temor e amor pelo Vosso Santo Nome, pois não deixais de governar aqueles que estabeleceis na firmeza do Vosso amor” (Oração final da Ladainha do Ssmo. Nome). Se é verdade que os nossos pecados contra os irmãos mancham o santuário e profanam o Nome do Senhor (cf Lv 20,3), é igualmente verdadeiro que o desejo de cumprir a Sua vontade e a fervorosa invocação do seu santíssimo Nome nos colocam debaixo do senhorio de Cristo e conquistam para nós a alegria de viver desde agora com os olhos fitos na recompensa eterna (cf 1 Cr 16,35).

Assim a coleta nos ajuda a entrar no coração da liturgia deste domingo, para que seja santificado o Nome do Senhor. Esta coleta é de antiga tradição na liturgia Romana. Estava presente nos sacramentários Gelasiano (Vetus) e Engollismense, bem como nos Missais Mediolani 1494 e Tridentino. O mesmo texto, sem alteração alguma, foi acolhido no Missal atualmente em uso. Rogamos a Deus, que nunca se cansa de nos conduzir no caminho da salvação, a graça de temer e amar o seu Santo Nome. “Por isso, recebendo nós um reino inabalável, retenhamos a graça, pela qual sirvamos a Deus de modo agradável, com reverência e santo temor; porque o nosso Deus é fogo consumidor” (Hb 12,28-29).

II. “Até aqui chegarás, e não além; aqui cessa a arrogância de tuas ondas” (Jó 38,11)

Não é difícil notar que a Liturgia da Palavra de hoje esta centrada no tema da onipotência de Deus e do seu domínio sobre as forças cósmicas, sobre o universo. Deus oferece uma resposta forte às queixas e às angustiadas interrogações de Jó, movidas pelo seu sofrimento ante as graves agruras que o amofinavam. O Bom Deus dá as credenciais pelas quais Jó deve depor nele uma confiança inquebrantável no seu poder. Deus se apresenta como criador e dono dos elementos, como Senhor do mar, a quem ele impôs limites inexpugnáveis. Diz a Escritura a Jó e a nós: “O Senhor respondeu a Jó, do meio da tempestade, e disse: ‘Quem fechou o mar com portas, quando ele jorrou com ímpeto do seio materno […], quando marquei seus limites e coloquei portas e trancas?’”. E no fim mostra a sua autoridade sobre toda a criação, realçando especialmente o poder sobre as águas tormentosas: “Até aqui chegarás, e não além; aqui cessa a arrogância de tuas ondas” (Jó 38,11).

O Espírito que inspirou as Escrituras antigas e que ungiu o Senhor Jesus no início do seu ministério público faz ver na ação de acalmar as águas, o poder divino sobre a inteira criação. Esta passagem de Jó ampara na Lei e nos Profetas os sinais realizados por Jesus no curso de seu ministério. Ele acalma as tempestades, cura os enfermos, ressuscita os mortos… Ademais expressa com gestos humanos a sua divindade, como o fez na Ceia ao se inclinar diante dos discípulos para lhes lavar os pés. Deus se dobra ante as criaturas cujo amor quer recobrar mediante o serviço amoroso da redenção.

Certamente a perícope nos inspira a certeza de que Deus põe limites às tribulações que a sua Igreja pode sofrer no seu amor pelo Esposo. A Igreja, não sem uma luz do Espírito, escolhe esta breve passagem do livro de Jó na liturgia de hoje para nos ajudar a ler o Evangelho na sua justa perspectiva.

III. “Por que sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?” (Mc 4,26).

Santo Afonso Maria de Liguori, dentre tantos talentos de compositor e poeta, também sabia preparar gravuras de sabor bem catequético, que empregava ao serviço das almas. Na gravura de uma caravela que se debate entre as vagas de um mar revolto, ele gostava de ver a imagem da Igreja, barca de Pedro, singrando as águas agitadas. Com um simples desenho ele manifestava fé sólida apoiada na permanente assistência divina. Escrevia ele: “Semper fluctibus agitata, et semper victrix” (sempre agitada pelas ondas, e sempre vencedora). Esta é a fé que venceu o mundo, esta é a fé que nos gloriamos de professar!

O mar, em muitos lugares da Bíblia, representa o lugar das forças maléficas que só Deus pode dominar (cf. Jó 38,8-11; Sl 65,8; 93,4; 107,23-30). A conexão litúrgica entre a leitura de Jó e a passagem evangélica facilita a compreensão das Escrituras mediante as Escrituras.

Voltemos ao texto evangélico de hoje, lido em conexão com a primeira leitura. Nessa cena vemos a imagem icônica da peregrinação terrenal do povo de Deus guiada por Jesus Bom Pastor com grande poder rumo ao reino definitivo. Usando um pouco a imaginação educada pela fé, vemos Pedro, princípio perpétuo e fundamento visível da unidade da Igreja, que tem em mãos o timão.

Cristo Senhor Nosso encontra-se na barca que atravessa o mar em direção à outra margem. Ao subjugá-lo com o império de sua voz, como quem domina os demônios (v. 39; cf 1,25), Jesus se apresenta com o poder de Deus. Daí a pergunta dos discípulos: “Quem é este, a quem até os ventos e o mar obedecem?” (v. 41). O que na leitura de Jó Deus fala do seu poder sobre as criaturas e sobre as forças da natureza, é facilmente relacionável com o gesto de Jesus de acalmar as águas.

São Gregório Magno assim toma o texto explicando-o em sentido místico: “As portas da Santa Igreja poderão ser combatidas pelas ondas da perseguição, mas nunca poderão ser quebrantadas; a onda da perseguição poderá movê-las por fora, mas nunca pode penetrar dentro de seu coração” (Moralia in Iob, 6,28,18,38).

As palavras que Jesus dirige aos discípulos assinalam uma verdade perene: a fé vence o medo; com fé em Jesus não há nada que possa causar tribulação. Para vencer o medo paralisante é preciso abraçar a fé com santo temor e filial piedade.

O nosso caminho, portanto, não pode ser outro senão o de levar Cristo conosco como o encontramos na Igreja: “Levaram Jesus consigo, assim como estava, na barca” (Mc 4,36). Ele é a nossa paz, nele encontramos a nossa bonança.

IV. “O amor de Cristo nos impele” (2Cor 5,6-7).

Concluamos com uma exortação de Santo Agostinho aos cristãos de todos os tempos, quando se sentem assaltados pelas vozes tentadoras que buscam persuadi-lo a deixar o Senhor, a não confiar na solidez da barca em que estamos. Ele dirige esta exortação especialmente aos que ouvem as palavras tentadoras: “Comamos e bebamos porque amanhã morreremos” (1 Cor 15, 32). Ou com palavras mais corriqueiras: “Deixa isso pra lá! Para que correr atrás disso? São apenas superstições medievais. O que você ganha correndo atrás de batinas?”.

“Cristão, em tua nau Cristo dorme; desperta-o; Ele ordenará às tempestades que se aplaquem . O flutuar dos discípulos sobre a nave enquanto Jesus dormia, preanuncia o flutuar dos cristãos quando neles dorme a fé em Cristo. Escreve, com efeito, o Apóstolo: “O Cristo habita pela fé nos vossos corações, pois enquanto como presença, beleza e divindade ele está sempre com o Pai, está à destra do Pai nos céus como presença corporal, enquanto presença de fé ele está em todos os cristãos. Por isso flutuas perigosamente: porque o Cristo está adormecido, isto é, não consegues vencer a brama que se levantam em ti com o sopro dos que persuadem ao mal, porque tua fé esta adormentada. O que significa que está adormentada? Significa que te esqueceste dela. O que significa despertar Cristo? Significa despertar a fé, recordar aquilo em que já creste. Faz, pois, memória da tua fé, desperta Cristo! A tua própria fé dará ordens às ondas que te turbam e aos ventos que sopram sobre ti aqueles que querem seduzir-te para o mal, e eles imediatamente se afastarão e prontamente voltará a paz”.

Por que despertar a fé se ela jaz agora num sono de morte em minha vida? Na fé vivida como experiência vital, saboreamos desde já as coisas que esperamos. Trata-se precisamente do amor redentor de Cristo Jesus que me resgatou da morte espiritual e me fez ressurgir para uma vida nova. Um dia experimentei o amor de Cristo que me amou e se entregou por mim. E acreditei. E tudo mudou: “Se alguém está em Cristo, é uma criatura nova” (2Cor 5,17).

Desde então, vencido todo o medo, vivo pelo amor de Cristo que me impele: “Caritas Christi urget nos!” (2Cor 5,14).

Caros amigos, irmãos na alegria da fé, não nos esqueçamos de rezar para que Deus mande muitos operários para a messe e que os sustente nas tribulações.

A Virgem Imaculada, Stella maris, continua, na história, a iluminar o caminho dos crentes e a esmagar a cabeça da serpente diabólica até à consumação dos tempos. E nós, por nossa vez, continuamos a levá-la conosco para casa como o fez o discípulo amado, recorrendo à sua intercessão com filial confiança.

Diocese de Itumbiara
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A Diocese de Itumbiara foi criada no dia 11 de outubro de 1966, pelo Papa Paulo VI, desmembrada da Arquidiocese de Goiânia; seu território é de 21.208,9 km², população de 286.148 habitantes (IBGE 2010). A diocese conta 26 paróquias, com sede episcopal na cidade de Itumbiara-GO.

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