A MESA DA PALAVRA
Dom José Aparecido Gonçalves de Almeida
IV DOMINGO DO ADVENTO – ANO C
Itumbiara, 22 de dezembro de 2024
“Ele próprio será a paz” (Mq 5,4)
Caros amigos,
Aproxima-se o Natal. Já não contemos os cantos de Júbilo. Mas meditemos ainda sobre a gravidade da escolha de Deus. A ternura do Menino Deus nascido das entranhas de Maria e colocado em um pobre presépio, a pretensa bondade que tudo cerca não nos podem impedir de pensar que o Verbo de Deus, não foi ciumento da sua condição divina, que se aniquilou a si mesmo e assumiu a nossa natureza humana para nos salvar.
I. “E tu Belém de Éfrata … de ti há de sair aquele que dominará Israel” (Mq 5,1)
Hoje, com as palavras de Miqueias, a Liturgia nos convida a fixar os olhos em Belém, a pequena cidade da Judéia que testemunha um grande acontecimento: “Mas tu, Bet-Ephrata, tão pequena entre as famílias de Judá, é de ti que me sairá aquele que governará em Israel. As suas origens remontam aos tempos antigos, aos dias do longínquo passado” (Mq 5,19).
No Angelus de 20 de dezembro de 2019, o Papa Bento XVI recordava que, “mil anos antes de Cristo, Belém tinha visto nascer o grande rei Davi, que as Escrituras concordam em apresentar como antepassado do Messias. O Evangelista Lucas narra que Jesus nasce em Belém porque José, o esposo de Maria, sendo da ‘casa de Davi’, teve de ir àquela cidade para o recenseamento e, precisamente nesses dias, Maria Deu à luz Jesus (cf. Lc 2,1-7)”.
A profecia de Miqueias faz clara referência a um misterioso nascimento ocorrido após um tempo de silêncio do Senhor Deus de Israel. O que nascer, será o pastor de Israel e atuará com a força do Senhor, e será revestido da Sua majestade. O texto, ainda diz mais: Ele próprio será a Paz!
A tão esperada paz messiânica parece ofuscada pelos muitos sinais devastadores de violência, de guerras, de ódio, de morticínios. Mas não nos esqueçamos de que somos bem-aventurados artífices de paz, de que Deus faz milagres com pequenos gestos, silenciosos e anônimos. Lembremo-nos de que o Senhor nos quer agentes de paz porque incorporados ao Messias revelado em Belém como Príncipe da Paz.
Spes non confundit. A esperança não decepciona. As promessas do Principe da Paz não são vãs.
II. “Eu vim, ó Deus, para fazer a tua vontade” (Hb 10,7)
O Senhor entra no mundo para fazer a vontade do Pai. Quer que todos se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade. Os sacrifícios, os holocaustos não agradam a Deus, não conseguem levar a cabo o cumprimento da vontade do Pai. O Príncipe da Paz entra no mundo para cumprir a vontade do Pai.
Ficam abolidos os sacrifícios requeridos pela lei. “Ele suprime o primeiro sacrifício para estabelecer o segundo” (Hb 10,9). O autor da epístola aos Hebreus nos explica a razão de ser da oblação sacerdotal do Senhor Jesus: “É graças a esta vontade que somos santificados pela oferenda do corpo de Jesus Cristo, realizada uma vez por todas” (Hb 10,10).
De agora em diante o sacrifício agradável a Deus Pai foi a única oblação de amor de seu Filho Unigênito, que todos os dias, em nossos altares, é apresentada em forma de memorial da nova e eterna aliança. A memorialis repraesentatio do sacrifício da Cruz é para nós propiciatória, impetratória, eucarística, latrêutica. É a verdadeira adoração, a perfeita ação de graças, a intercessão eficaz, e o sacrifício que nos restaura.
Nesta Santa Missa louvamos a Virgem Maria por ter acolhido o Verbo no seu ventre virginal, onde ele assumiu a nossa humanidade das carnes e do sangue de Maria, carne e sangue que nos redimem.
III. “Maria partiu para a região montanhosa” (Lc 1,39)
Neste IV Domingo de Advento, que precede de pouco o Natal do Senhor, o Evangelista Lucas narra a visita de Maria à sua prima Isabel. Não se trata de um simples gesto de gentileza, mas representa – dizia Bento XVI – com grande simplicidade o encontro do Antigo Testamento com o Novo.
O Anjo que transmitiu a embaixada do Céu a Maria se afasta. Ela mal tem tempo de dizer “Eis aqui a serva do Senhor. Faça-se em mim …” e, impelida por uma caridade ardente, Maria – mais que depressa – se levanta e se põe a caminho de Ain Karin, rumo à casa de Zacarias e Isabel.
Bem depressa, levantada, em pé, como que ressuscitada. Tudo em uma contração temporal graças à qual, o evangelista Lucas ilumina o mistério dos inícios com o fulgor do fim. Si a ressurreição de Jesus ilumina a pressa de Maria no exercício da caridade para com sua prima Isabel.
Na realidade o seu caminho e a sua prontidão são componentes do seu Eis-me, Faça-se. Não se trata de um ato sucessivo, mas de uma ação que integra as palavras ditas por Ela. Como na liturgia, a palavra e a ação se amalgamam com um efeito superior a cada uma delas isolada. É uma resposta que põe em movimento e produz a novidade de vida.
Quando nos encontramos com Deus, quando Deus realiza sua epifania luminosa na precariedade da nossa existência, Ele nos impele, nos lança em direção aos irmãos. Aquele que nem o céu nem a terra podem conter, quer ser anunciado, contado, comunicado àqueles com quem nos encontramos a caminhar nas mesmas estradas da vida, ainda que por algum tempo, como o encontro de Jesus com os discípulos de Emaús.
A prontidão da Virgem Maria em levantar-se e sair para servir a Isabel oferece concretude às palavras do profeta jeremias: “… em meu seio havia um fogo devorador que se me encerra nos ossos. Esgotei-me em refreá-lo, e não o consegui” (Jr 20,9). A caridade urge. Estas palavras ditas depois da experiência da mística sedução: “Seduziste-me, Senhor; eu me deixei seduzir! Dominastes-me e obtivestes o triunfo”, mostram por que razão a Virgem não pensou mais em si. Seduzida pela Palavra ouvida e que acabara de entrar em seu ventre, ela não consegue deixar de sair para servir.
Nela, no seu corpo, no seu ventre virginal habita a presença do Altíssimo, do Verbo encarnado. Ele, o Verbo, presença encarnada, torna-se vida que cresce, dia após dia, na delicadeza e na precariedade típica da gravidez.
Tocada pela Palavra, Maria caminha. Seu caminho é o caminho de Deus. Os seus passos são passos que Deus dá com seus pés. É sempre assim. Deus gosta de se aproximar de nós através dos outros. Através de pessoas que passam por nós, que cruzam o nosso caminho, é Cristo que passa. É o mistério da visitação.
Ao descrever esses passos da Virgem Maria, parece ter diante dos olhos a memória da viagem da Arca da Aliança rumo a Jerusalém. A descrição da viagem de Maria tem características de cumprimento e realização do que, no passado, acontecera apenas como prefiguração e antecipação profética. Ela é a verdadeira Arca da nova e eterna Aliança, que viaja sem clamores, sem luzes, sem aplausos, no mais perfeito escondimento. Só Ela e Deus sabem o que se passa em seu coração guardião da Palavra, antes mesmo de seu ventre se tornar tabernáculo do Verbo.
Santo Ambrósio de Milão, ao comentar o Evangelho de São Lucas, assim se exprime: “Toda alma que crê, concebe e gera o Verbo de Deus… Se segundo a carne uma só é a Mãe de Cristo, segundo a fé, todas as almas geram Cristo quando acolhem a palavra de Deus”.
Nem São Gregório Nazianzeno se intimidou na audácia a que se sentiu impelido na contemplação do mistério da encarnação. Ele também não temeu ligar a presença de Deus na vida de um fiel à maternidade de Maria. Assim diz ele: “Toda alma carrega Cristo em si como que em um ventre materno. Se esta não é transformada por uma vida santa, não pode ser chamada mãe de Cristo. Mas se cada vez que acolhes em ti a palavra de Cristo lhe dás uma forma no teu íntimo, se a formas em ti como em um ventre materno com a tua meditação, podes ser chamado mãe de Cristo”.
Quase às portas do Natal do Senhor, podemos nos unir à expectação da Virgem Maria, tanto pessoalmente como reunidos na Igreja. A Igreja toda parece gemer nas dores do parto, para oferecer Cristo como luz no meio das trevas. Ele ilumina – como nas pinturas flamengas da natividade do Senhor, em que Ele é o centro fulgurante do quadro
Neste Natal o presépio em que poremos Jesus Menino é a nossa alma, a nossa consciência. Esta é a grande manjedoura em que alimentamos as nossas escolhas, onde amadurecemos as nossas decisões de gerar o Filho de Deus numa vida nova – talvez anônima como a que começou em Belém – fecundada pela fé, esperança e caridade, pela fidelidade de Maria e de José.
Caminhamos para o 2025º aniversário da encarnação do Verbo de Deus, do encontro entre o tempo e a eternidade, entre o transitório e o definitivo, entre a humanidade frágil e o Deus onipotente.
Não tenhamos medo de deixar de lado tudo o que seja obstáculo à vida de Cristo em nós. Não nos esqueçamos da oração do Angelus, da oração que abre esta missa de hoje: “Infundi, Senhor, em nossas almas a vossa graça, para que conhecendo pelo anúncio do Anjo a encarnação do vosso Filho, cheguemos, por sua paixão e cruz, à glória da ressurreição” (Missal Romano).