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A Mesa da Palavra: Vigília Pascal

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A MESA DA PALAVRA
Dom José Aparecido Gonçalves de Almeida
VIGÍLIA PASCAL
30 de março de 2024

Caríssimos amigos,

I. O nosso êxodo pascal: Cristo Ressuscitou, Aleluia!

Ao percorrermos o caminho da quaresma, caminho de jejum penitente, oração e esmola, celebramos algumas etapas da catequese catecumenal em vista do batismo algumas pessoas pediram à Igreja. No itinerário catecumenal, nossa Mãe Igreja nos faz saborear a memória das gestas libertadoras do Deus fiel na vida do povo da primeira Aliança, vendo nelas a preparação para a Aliança definitiva na carne de Jesus. Participando no Tríduo Pascal, renovamos a graça do nosso batismo e acolhemos os catecúmenos como membros da nossa família.

Na Quinta-feira Santa celebramos o memorial da instituição da Eucaristia e do sacerdócio ministerial, cuja fonte encontramos no lado aberto de Cristo na Cruz celebrada na Sexta-feira Santa. O verdadeiro Cordeiro de Deus, já morto e ainda pendente da Cruz, nos dá a água do Batismo e a força da Eucaristia.

Agora, irmãos, coroando os dias da Paixão com a vitória de Cristo sobre a morte celebramos a mãe de todas as Vigílias. Abrimos a Igreja imersa nas trevas do luto, acendendo o fogo novo e cantando à luz de Cristo acesa no Cirio pascal, louvando a Deus pela “feliz culpa” que nos mereceu um tão grande Redentor. Na liturgia da Palavra, ouvimos a grande gesta da Páscoa da libertação operada por Deus ao longo da história da salvação. Cantamos o Aleluia que não ouvíamos desde o início da Quaresma. E agora nos preparamos para realizar nos sacramentos pascais a salvação anunciada na Mesa da Palavra.

Mas voltemos o nosso olhar para o Mistério que celebramos nesta Vigília Santa. Lembremo-nos por um instante do Evangelho proclamado no Segundo Domingo da Quaresma: a Transfiguração. São Marcos nos conta no seu Evangelho que os discípulos, ao descer do monte da Transfiguração, discutiam entre si sobre o que queria dizer «ressuscitar dos mortos» (cf. Mc 9, 10). Pouco antes da Transfiguração, o Senhor tinha-lhes anunciado a sua paixão e a ressurreição três dias depois. Pedro, movido certamente por amor do Senhor, tinha protestado contra o anúncio da morte. Mas agora os discípulos se interrogavam acerca do que significado do termo «ressurreição». Porventura não acontece o mesmo conosco?

O Natal, o nascimento do Deus Menino, de certo modo nos é imediatamente compreensível. Podemos amar o Menino, sem muitas explicações. Não é difícil imaginar a noite de Belém, a alegria de Maria, a alegria de São José e dos pastores e o júbilo dos Anjos. Mas, e a ressurreição: o que é? Quando se trata da Ressurreição é difícil até mesmo imaginar o cenário daquele sepulcro no momento da Ressurreição. Por isso a mensagem pascal frequentemente acaba ficando incompreendida. Difícil até imaginar como foi.

A Igreja, caros amigos, com materna pedagogia, procura levar-nos a compreender o evento misterioso, mas real da Ressurreição. Ela traduz este acontecimento misterioso na linguagem litúrgica, nos sinais pelos quais nos seja possível de algum modo contemplar este fato tão único como impressionante. Seguindo o ensinamento de Bento XVI, meditaremos sobre o significado deste dia sobretudo através de três símbolos presentes nesta celebração: a luz, a água e o cântico novo do aleluia. Ouçamos.

II. “Eis a luz de Cristo”!
Temos, em primeiro lugar, a luz. A criação por obra de Deus – acabámos de ouvir a
sua narração bíblica – começa com as palavras: «Haja luz!» (Gen 1, 3). Onde há luz, nasce a vida, o caos pode transformar-se em cosmos. Na mensagem bíblica, a luz é a imagem mais imediata de Deus: Ele é todo Resplendor, Vida, Verdade, Luz. Na Vigília Pascal, a Igreja lê a narração da criação como profecia. Na ressurreição, verifica-se de modo mais sublime aquilo que este texto descreve como o início de todas as coisas. Deus diz de novo: «Haja luz».

A ressurreição de Jesus é uma irrupção de luz. A morte fica superada, o sepulcro
escancarado. O próprio Ressuscitado é Luz, a Luz do mundo. Com a ressurreição, o dia de
Deus entra nas noites da história. A partir da ressurreição, a luz de Deus difunde-se pelo
mundo e pela história. Faz-se dia. A noite é então clara como o dia. Somente esta Luz – Jesus Cristo – é a luz verdadeira, mais verdadeira que o fenómeno físico da luz. Ele é a Luz pura que ilumina todo homem: é o próprio Deus, “Deus de Deus, Luz da Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado, consubstancial ao Pai”. Ele, o Ressurrecto, faz nascer uma nova criação no meio da antiga, transforma o caos em cosmos. Desde já, do âmago da realidade, faz novas todas as coisas.

Procuremos compreender isto um pouco melhor ainda. Porque é que Cristo é Luz? No
Antigo Testamento, a Torah, a Lei era considerada como a luz vinda de Deus para o mundo
e para os homens. A Lei do Senhor separa, na criação, a luz das trevas, isto é, o bem do mal. Aponta ao homem o caminho justo para viver em conformidade com a sua vocação originária. Indica-lhe o bem, mostra-lhe a verdade e condu-lo para o amor, que é o seu conteúdo mais profundo. A Palavra de Deus é «lâmpada» para os passos, e «luz» no caminho (cf. Sl 118,105). Ora, os cristãos sabiam que, em Cristo está presente a Torah: a Palavra de Deus está presente n’Ele como Pessoa.

A Palavra de Deus, irmãos, é a verdadeira Luz de que o homem necessita. Esta Palavra
está presente n’Ele, no Filho. O Salmo 18 comparara a Torah ao sol, que, nascendo, manifesta a glória de Deus visivelmente em todo o mundo. Os cristãos compreendem: sim, na ressurreição, o Filho de Deus surgiu como Luz sobre o mundo. Cristo é a grande Luz, da qual provém toda a vida. Ele faz-nos reconhecer a glória de Deus de um extremo ao outro da terra. Indica-nos a estrada. Ele é o dia de Deus que agora, crescendo, se difunde por toda a terra. Agora, vivendo com Ele e por Ele, podemos viver na luz.

Caros irmãos, caros catecúmenos, prestem bem atenção no Cirio Pascal. Nele é
representado o mistério da luz de Cristo. Sua chama é simultaneamente luz e calor. Verdade e amor andam juntos. O círio pascal arde e deste modo se consuma: cruz e ressurreição são inseparáveis. Da cruz, da autodoação do Filho nasce a luz, provém o verdadeiro resplendor sobre o mundo.

No círio pascal, todos acendemos as nossas velas, sobretudo as dos neo-batizados, aos
quais, neste sacramento, a luz de Cristo é colocada no fundo do coração. A Igreja Antiga
designou o Batismo como fotismos, como sacramento da iluminação, como uma comunicação de luz e ligou-o inseparavelmente com a ressurreição de Cristo. O batizando é introduzido dentro da luz de Cristo. Cristo divide agora a luz das trevas. Com Ele, surge em nós a luz da verdade e começamos a compreender.

Uma vez, quando Cristo viu a multidão que se congregara para O escutar e esperava
d’Ele uma orientação, sentiu compaixão por ela, porque eram como ovelhas sem pastor
(cf. Mc 6, 34). No meio das correntes contrastantes do seu tempo, não sabiam a quem dirigirse. Quanta compaixão deve Ele sentir também do nosso tempo, por causa de todos os grandes discursos por trás dos quais, na realidade, se esconde uma grande desorientação! Para onde devemos ir? Quais são os valores, segundo os quais podemos regular-nos? Os valores segundo os quais podemos educar os jovens, sem lhes dar normas que talvez não subsistam nem exigir coisas que talvez não lhes devam ser impostas?

Ele é a Luz. A vela batismal é o símbolo da iluminação que nos é concedida no
Batismo. Assim, nesta hora, também São Paulo nos fala de modo muito imediato. Na Carta
aos Filipenses, diz que, no meio de uma geração má e perversa, os cristãos deveriam brilhar como astros no mundo (cf. Fil 2, 15). Peçamos ao Senhor que a pequena chama da vela, que Ele acendeu em nós, a luz delicada da sua palavra e do seu amor no meio das confusões deste tempo não se apague em nós, mas torne-se cada vez mais forte e mais resplendorosa. Para que sejamos com Ele pessoas do dia, astros para o nosso tempo.

III. “Do seu lado aberto correram sangue e água” (cf Jo 19,34)
O segundo símbolo da Vigília Pascal – a noite do Batismo – é a água. Esta aparece, na
Sagrada Escritura e consequentemente também na estrutura íntima do sacramento do
Batismo, com dois significados opostos. De um lado, temos o mar que se apresenta como o
poder antagonista da vida sobre a terra, como a sua contínua ameaça, à qual, porém, Deus
colocou um limite. Por isso o Apocalipse, ao falar do mundo novo de Deus, diz que lá o mar
já não existirá (cf. 21, 1). É o elemento da morte. E assim torna-se a representação simbólica da morte de Jesus na cruz: Cristo desceu aos abismos do mar, às águas da morte, como Israel penetrou no Mar Vermelho. Ressuscitado da morte, Ele dá-nos a vida. Isto significa que o Batismo não é apenas um banho, mas um novo nascimento: com Cristo, como que descemos ao mar da morte para dele subirmos como criaturas novas.

O outro significado com que encontramos a água é como nascente fresca, que dá a
vida, ou também como o grande rio donde provém a vida. Segundo o ordenamento primitivo da Igreja, o Batismo devia ser administrado com água fresca de nascente. Sem água, não há vida. Impressiona a grande importância que têm na Sagrada Escritura os poços. São lugares donde brota a vida. Junto do poço de Jacob, Cristo anuncia à Samaritana o poço novo, a água da vida verdadeira. Manifesta-Se a ela como o novo e definitivo Jacob, que abre à humanidade o poço que esta aguarda: aquela água que dá a vida que jamais se esgota (cf. Jo 4, 5-15).

São João narra-nos que um soldado feriu com uma lança o lado de Jesus e que, do lado
aberto – do seu coração trespassado –, saiu sangue e água (cf. Jo 19, 34). Nisto, a Igreja
Antiga viu um símbolo do Batismo e da Eucaristia, que brotam do coração trespassado de
Jesus. Na morte, Jesus mesmo Se tornou a nascente. Numa visão, o profeta Ezequiel tinha
visto o Templo novo, do qual jorra uma nascente que se torna um grande rio que dá a vida
(cf. Ez 47, 1-12); para uma Terra que sempre sofria com a seca e a falta de água, esta era uma grande visão de esperança. A cristandade dos primórdios compreendeu: em Cristo, realizouse esta visão. Ele é o Templo verdadeiro, o Templo vivo de Deus. E é também a nascente de água viva. D’Ele brota o grande rio que, no Batismo, faz frutificar e renova o mundo; o grande rio de água viva é o seu Evangelho que torna fecunda a terra. Mas Jesus profetizou uma coisa ainda maior; diz Ele: «Do seio daquele que acreditar em Mim, correrão rios de água viva» (Jo 7, 38). No Batismo, o Senhor faz de nós não só pessoas de luz, mas também nascentes das quais brota água viva. Todos nós conhecemos tais pessoas que nos deixam de algum modo restaurados e renovados; pessoas que são como que uma fonte de água fresca borbotante. Não devemos necessariamente pensar a pessoas grandes como Agostinho, Francisco de Assis, Teresa de Ávila, Madre Teresa de Calcutá e assim por diante, pessoas através das quais verdadeiramente rios de água viva penetraram na história. Graças a Deus, encontramo-las continuamente mesmo no nosso dia a dia: pessoas que são uma nascente. Com certeza, conhecemos também o contrário: pessoas das quais emana um odor parecido com o dum charco com água estagnada ou mesmo envenenada. Peçamos ao Senhor, que nos concedeu a graça do Batismo, para podermos ser sempre nascentes de água pura, fresca, saltitante da fonte da sua verdade e do seu amor.
Mas cuidemos de um importante detalhe, irmãos: o batismo tem exigências. Ouçamos
a exortação de São Leão Magno: “Será que alguém, de fato, adora Cristo que sofre, morre e ressuscita sem que com ele sofra, morra e ressuscite? Tudo isso, na realidade, já começou para todos os filhos da Igreja no próprio mistério da regeneração (do batismo), onde o pecado morre a vida renasce; e a morte de três dias do Senhor é simbolizada nas três imersões; de modo que, removida a terra da sepultura, aqueles que a fonte, em seu âmago, acolheu velhos, a água batismal faça sair rejuvenescidos. Mas prestai atenção: aquilo que foi celebrado no sacramento, deve ser completado com as boas obras. E tudo aquilo que ficou de mundano no corpo dos renascidos dos renascidos pelo Espírito Santo não pode ser assumido sem adesão à cruz” (Tract. 70 de Passione, 3).

IV. “Annuntio vobis Gaudium Magnum, quod est: Alleluia” (da Liturgia Pascal)
O terceiro grande símbolo da Vigília Pascal é de natureza muito particular; envolve o
próprio homem. É a entoação do cântico novo: o aleluia.

Quando uma pessoa experimenta uma grande alegria, não consegue guardá-la para si.
Deve manifestá-la, transmiti-la. Mas o que acontece quando a pessoa é tocada pela luz da
ressurreição, entrando assim em contacto com a própria Vida, com a Verdade e com o Amor? Não irmãos, nesse caso a pessoa não pode limitar-se simplesmente a falar; o falar já não basta. Quando as palavras não bastam sozinhas, a pessoa tem de cantar.

Na Bíblia, a primeira menção do ato de cantar encontra-se depois da travessia do Mar
Vermelho. Israel libertou-se da escravidão. Subiu das profundezas ameaçadoras do mar. Fazer experiência daquela travessia, é como se tivesse renascido. Israel agora vive e é livre. A Bíblia descreve a reação do povo a este grande acontecimento da salvação com a frase: «O povo acreditou no Senhor e em Moisés, seu servo» (Ex 14, 31). Segue-se então a segunda reação que nasce da primeira por uma espécie de necessidade interior: «Então Moisés e os filhos de Israel cantaram este cântico ao Senhor…». Na Vigília Pascal, ano após ano, nós, cristãos, depois da terceira leitura entoamos este cântico, cantamo-lo como o nosso cântico, porque também nós, pelo poder de Deus, fomos tirados para fora da água e libertos para a vida verdadeira.

Para a história do cântico de Moisés depois da libertação de Israel do Egipto e depois
da subida do Mar Vermelho, há um paralelismo surpreendente no Apocalipse de São João.
Antes de iniciarem os últimos sete flagelos impostos à terra, aparece ao vidente «uma espécie de mar de cristal misturado com fogo. Sobre o mar de cristal, estavam de pé os vencedores do Monstro, da sua imagem e do número do seu nome. Tinham na mão harpas divinas e cantavam o cântico de Moisés, o servo de Deus, e o cântico do Cordeiro…» (Ap 15, 2s).

Com esta imagem, é descrita a situação dos discípulos de Jesus em todos os tempos, a
situação da Igreja na história deste mundo. Considerada humanamente, tal situação é
contraditória em si mesma. Por um lado, a comunidade encontra-se no Êxodo, no meio do
Mar Vermelho. Num mar que, paradoxalmente, é ao mesmo tempo gelo e fogo. E não deve
porventura a Igreja caminhar sempre sobre o mar através do fogo e do frio? Humanamente
falando, deveria afundar. Mas não, e enquanto caminha ainda no meio deste Mar Vermelho,
ela canta – entoa o cântico de louvor dos justos: o cântico de Moisés e do Cordeiro, no qual
concordam a Antiga e a Nova Aliança.

Enquanto, na realidade deveria afundar, a Igreja entoa o cântico de agradecimento dos
redimidos. Está sobre as águas de morte da história e, no entanto, já está ressuscitada.
Cantando, ela agarra-se à mão do Senhor, que a sustenta por cima das águas. E sabe que deste modo é guindada fora da força de gravidade da morte e do mal – uma força da qual, sem tal intervenção, não haveria caminho algum de fuga – guindada e atraída para dentro da nova força de gravidade de Deus, da verdade e do amor. De momento, a Igreja e todos nós encontramo-nos ainda entre os dois campos gravitacionais. Mas desde que Jesus ressuscitou, a gravitação do amor é mais forte que a do ódio; a força de gravidade da vida é mais forte que a da morte.

Não parece fora de lugar nos perguntarmos aqui se porventura não é esta a situação da
Igreja de todos os tempos, a nossa situação? Sempre dá a impressão que ela deva afundar, e todavia já está salva. Sim, a barca de Pedro, a Igreja, pode sempre encontrar-se dentro de águas turbulentas, mas ela conta sempre com a segurança da assistência divina. Santo Afonso, fundador dos Redentoristas, cheio de fé, costumava afirmar: “Semper fluctibus agitata, et semper victrix”, porque tinha a profunda convicção – nós também a temos – de que Jesus está conosco na barca. O próprio apóstolo dos gentios, São Paulo, já havia ilustrado esta situação permanente da Igreja com as palavras: «Somos considerados (…) como agonizantes, embora estejamos com vida» (2 Cor 6, 9).

A mão salvadora do Senhor nos sustenta e assim podemos cantar já agora o cântico
dos redimidos, o cântico novo dos ressuscitados: Aleluia! Amen.

Diocese de Itumbiara
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A Diocese de Itumbiara foi criada no dia 11 de outubro de 1966, pelo Papa Paulo VI, desmembrada da Arquidiocese de Goiânia; seu território é de 21.208,9 km², população de 286.148 habitantes (IBGE 2010). A diocese conta 26 paróquias, com sede episcopal na cidade de Itumbiara-GO.

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