A MESA DA PALAVRA
V Domingo da Quaresma
Itumbiara, 6 de abril de 2025
“Sim, maravilhas fez conosco o Senhor, exultemos de alegria” (SI 125, 3)
Caríssimos amigos,
Aproximam-se as festas pascais. O drama da Paixão do Senhor tudo antecede e evidencia o contraste entre o que faz sofrer e a alegria esperada, já antecipada na esperança. A Igreja, confiante na oblação de Si que faz o Seu Esposo, se congrega na santa sinaxe para rezar pedindo a forças para caminhar com alegria. Ouçamos de novo a oração coleta.
I. “Senhor nosso Deus, dai-nos por vossa graça caminhar com alegria na mesma caridade que levou o vosso Filho a entregar-se à morte no seu amor pelo mundo” (Coleta).
Esta oração é inspirada num antigo texto do Missal Moçárabe (n.706) que assim soa em português: “Cristo Deus, que suportastes ser suspenso entre inimigos, sofrendo a injúria da cruz, concedei-nos a constância de uma vida perfeita, para que, com o vosso auxílio, nos encontremos também nós perfeitos naquela caridade com a qual, amando o mundo, por ele vos sujeitastes à morte”. Ela retoma o ensinamento joanino como base da confiança e do fervor do cristão que vive a penitência com a alegria de quem se sabe amado por Deus: “Deus amou tanto o mundo que deu o seu único Filho, para que todo aquele que nele crê não se perca, mas tenha a vida eterna” (Jo 3,16). O que marca a continuidade da serena exultação, mesmo quando o Senhor se entrega à morte, é a graça que nos faz “caminhar com alegria [fervor] na mesma caridade que levou o (…) Filho a entregar-se à morte no seu amor pelo mundo” (Coleta). Ele mesmo nos fez ver na Transfiguração a alegria pascal antecipada para prevenir o escândalo da Cruz. Ele mesmo nos faz ver que se trata do sacrifício oferecido em resgate de muitos.
Certo que Deus quer salvar a todos, porque são muitos os convidados para o banquete do Cordeiro. Porém, há muitos pretextos para procurar outros festins, não raro muito tóxicos, que nos afastam do único Caminho que nos garante a salvação eterna.
A morte de Cristo na Cruz, porém, inocula na nossa existência o antídoto para o pecado e o veneno da antiga serpente. Deus não desiste de nós. Seu Filho vai até ao fundo: “Aquele que não conheceu o pecado, Deus o fez pecado por nós, para que nele nós nos tornássemos justiça de Deus” (II Cor 5,21). Assim nos lembrava a segunda leitura de domingo passado. A quaresma, mas todo o mistério pascal, nos assegura que o nosso é um Deus salvador, não condenador: “Deus não mandou o seu Filho para condenar o mundo, mas para o salvar” (Jo 3,17).
II. “Eis que eu farei coisas novas, e as darei ao meu povo”.
A Liturgia da Palavra deste quinto domingo, vendo próxima a conclusão da quaresma, vem favorecer nossa meditação sobre o mistério pascal entendido como libertação do pecado e da morte. Esta libertação, nosso Senhor Jesus Cristo a conquistou uma vez por todas pelos méritos do Seu Precioso Sangue derramado na Cruz. Desse Sangue uma única gota pode salvar o mundo inteiro de todo pecado (Adoro Te, Devote).
No entanto, esta libertação conquistada pelo Senhor deve ser atualizada em cada um dos homens. A renovada apresentação incruenta do Santo Sacrifício cada dia nos nossos altares é um precioso auxílio à fragilidade humana sempre sob o risco de cair, já que ninguém está livre do pecado.
O nosso bom Deus, que outrora fora generoso na multiplicação dos prodígios realizados para libertar o povo eleito da escravidão do Egito promete sinais novos para livrá-lo do cativeiro da Babilônia: “Olhai: vou fazer algo de novo… Vou abrir um caminho no deserto, lançar rios através da terra árida… para matar a sede ao Meu povo escolhido” (Is 43, 19-20). Para além das vicissitudes históricas de Israel, o oráculo de Isaías ilumina o futuro messiânico, no qual Deus realizará maravilhas ainda maiores, absolutamente novas, em favor do novo Israel, da Santa Igreja.
Mais do que outros portentos, nestes dias celebramos o mistério de amor pelo qual o Bom Deus entrega o seu Filho Unigénito ao mundo para ser ele o “Caminho” da salvação. Já não se trata da água que sacia a sede das gargantas sequiosas, mas da água viva da graça que promana do lado aberto do divino Cordeiro para lavar o homem de todo o pecado e saciar-lhe a sede do infinito.
III. “Aquele de vós que estiver sem pecado seja o primeiro a atirar-lhe uma pedra” (Jo 8,4)
Esta novidade de coisas aparece ilustrada de modo bem concreto pelo episódio evangélico de hoje. A malícia e a hipocrisia próprias da rigidez dos adversários de Jesus arrastaram a mulher apanhada em pecado de adultério até aos pés de Jesus. Exigem dele que faça a justiça segundo a Lei: “Mestre, esta mulher foi apanhada em flagrante a cometer adultério. Na lei, Moisés mandou-nos apedrejar tais mulheres. E Tu, que dizes?” (Jo 8, 4). Era uma armadilha. Se Jesus a condenasse, a pregação da misericórdia ficaria desmentida. Se não condenasse o pecado, renegaria a Lei revelada. No entanto, a Sabedoria eterna de Deus, o nosso divino Salvador faz uma coisa absolutamente inédita não prevista na lei antiga: não pronuncia qualquer sentença mas, após uma pausa silenciosa, um momento de tensão deveras emotiva, tanto por parte dos acusadores como da acusada, afirma simplesmente: “Aquele de vós que estiver sem pecado seja o primeiro a atirar-lhe uma pedra” (ibid. 7).
Todos os homens são pecadores; por conseguinte, ninguém tem o direito de se arvorar em juiz dos outros. Só um tem esse direito: o Inocente, o Senhor, mas nem sequer usa dele, preferindo exercer o Seu poder de Salvador: “Ninguém te condenou?… Também Eu não te condeno. Vai, doravante não tornes a pecar” (ibid. 10-Il). Somente Cristo, que veio para entregar a Sua vida pela salvação dos Pecadores, pode libertar a mulher do seu pecado e dizer-lhe: “não tornes a pecar”. Aquela mulher é muito mais preciosa aos olhos de Deus, de quanto não seja condenável o pecado. Certo, Jesus a exorta a ir e a não pecar mais. Mas a cura já havia acontecido. Ninguém atirou a primeira pedra.
Não é demais lembrar ainda que na Bíblia, o pecado do adultério é muitas vezes assimilado ao da idolatria. Jesus é o divino Esposo da Igreja, do novo povo de Deus. Os nossos pecados nos colocam a todos na condição da adúltera, humilhada, trépida, mas ao mesmo tempo confiante naquele que veio – e assim se manifesta – como médico para procurar o que estava perdido.
A Palavra do Senhor é portadora da graça que nasce do Seu sacrifício. E esta graça nos é derramada no sacramento da Penitência. Nela se renova para todos os crentes o gesto libertador de Cristo, que concede ao homem a graça para lutar contra o pecado, para “não tornar a pecar”. Neste ano jubilar, aqui nesta Igreja jubilar, contemplamos o belíssimo Crucifixo que nos convida a confiar e pedir indulgência e perdão. Fixando a imagem na nossa alma, contemplamos a dor do Senhor em um sagrado silêncio que nos transforma. Nesta luta espiritual, é de grande serventia o recolhimento e o silêncio interior, como no-lo recorda o Bem-Aventurado Abade belga Luis Blois: “Ama o silêncio, pois ali Deus fala mais ao coração. Recolhe-te em ti mesmo e encontrarás o Cristo habitando no mais íntimo da tua alma” (Speculum Monachorum).
IV. “Irmãos, eu não julgo ter já chegado à meta…” (Fl 3,13)
A segunda leitura proporciona um aprofundamento nestas reflexões. O que são as maravilhas do Antigo Testamento perto dos prodígios realizados pelo Senhor no seu mistério Pascal.
S. Paulo, ao encontrar-se com o Senhor no caminho de Damasco, despoja-se de tudo. Sacrifica as tradições, a cultura, o sistema de vida que o ligavam ao seu povo segundo a carne, considerando tudo isto como “lixo para ganhar a Cristo” (Fil 3, 8). Agora ele anima os cristãos a renunciarem, com a mesma finalidade, a tudo o que não conduz ao Senhor, a tudo o que se opõe ao Senhor. Este é o único caminho para se libertarem completamente do pecado e, enfim, se configurarem paulatinamente a Cristo.
A configuração ao Senhor é a realização de nossa vocação à santidade. E só pode se configurar ao Senhor mediante a “Sua morte, para alcançar a ressurreição dos mortos” (ibid. 10.1l). Esta via impõe a busca de contínuas mortificações do velho homem, das renovadas libertações que nos aproximam cada vez mais radicalmente de Cristo.
Certamente, como o Apóstolo ao falar de si mesmo, ninguém de nós imagina “ter já chegado à meta”. É preciso nos lançarmos para o que está à frente, “em direção à meta para conquistar o prêmio que, do alto, Deus me chama a receber, em Cristo Jesus” (Fl 3,14).
Justamente caminhando nesta direção descobrimos a verdadeira raiz da alegria cristã nesta vida terrenal: “Esta é a verdadeira alegria, esta é a verdadeira solenidade: vermo-nos livres do mal. Para tanto – nos aconselha Santo Atanásio –, que cada um se esforce por viver em santidade e medite interiormente na paz e no temor de Deus” (S. Atanásio, Epístola 14, 1: PG 26, 1419-1420).
Venha sempre em nosso auxílio a Virgem Maria. Ela é a imagem da Igreja peregrina, Esposa sem mácula do Senhor, purificada no Seu Sangue.
Louvado seja nosso Senhor Jesus Cristo!
Oração.
“Ó meu Jesus! Que fiz eu? Como pude abandonar-Te e desprezar-Te? Como pude esquecer o Teu nome, espezinhar a Tua lei, transgredir os Teus mandamentos? Ó meu Deus, meu Criador e meu Salvador, minha vida e todo o meu bem! Infeliz de mim, miserável de mim! Infeliz, porque pequei … porque me converti num animal irracional. Meu Jesus, bom Pastor, doce Mestre, socorre-me, levanta a Tua ovelhinha abatida, estende a Tua mão para me amparar, lava os meus pecados, cura as minhas chagas, fortalece a minha fraqueza, salva-me, senão perecerei. Confesso ser indigno de viver, indigno da Tua luz, indigno do Teu auxílio… No entanto, a Tua misericórdia é infinita; tem piedade de mim. Ó Deus, que tanto amas os homens! Minha última esperança, tem piedade de mim segundo a grandeza da Tua misericórdia” (Beato Luis de Blois, Guia espiritual, 4).