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IV Domingo da Quaresma – Ano C

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A MESA DA PALAVRA
IV Domingo da Quaresma 
Itumbiara, 30 de março de 2025

“Alegrai-vos com Jerusalém, e nela exultai, todos vós que a amais!” (Is 66, 10).

Caríssimos amigos,
Prezados irmãos, que participaram e trabalharam no “Segue-me”,

Que alegria estar convosco aqui hoje. Esta liturgia dominical de quaresma nos convoca – notai bem que não disse “nos convida” – a experimentar a alegria da entrada na terra prometida, o júbilo da Jerusalém libertada, a profunda exultação de quem, como o filho esbanjador dos bens familiares, reencontra o Pai pródigo em perdão e misericórdia.

Se, o itinerário quaresmal é fundamentalmente um caminho de conversão, de retorno a Deus, a penitência, longe de ser uma trava, é libertação. Ela nos livra do pesado jugo do pecado mediante submissão ao suave jugo de Cristo, nosso Libertador. Afinal, com a penitência renovamos em nós graça do Espírito de Adoção filial recebido no nosso Batismo.

I. “Ó Deus, que por vossa Palavra realizais de modo admirável a reconciliação do gênero humano, concedei ao povo cristão correr ao encontro das festas que se aproximam, cheio de fervor e exultando de fé” (Coleta).

Louvemos ao bom Deus por este tempo de graça e de reconciliação que Ele nos propicia no Ano Santo da Esperança, especialmente neste tempo de Quaresma. Se o vivemos cheios de fervor e exultando de fé, chegaremos jubilosos às festas pascais que se aproximam. É maravilhosa a reconciliação do gênero humano operada pelo Senhor mediante a Palavra que salva. Não percamos a esperança. Quanto mais forte for a impressão que nos causa o nosso pecado, mais devemos alimentar a esperança no Senhor. “Onde abundou o pecado, superabundou a graça” (Rm 5,20).

Proveniente do Sacramentário Gelasiano (n. 178) e inspirada em um discurso de São Leão Magno (Sermo De Quadragesima, II, 4), esta oração nos enche de fundada esperança. Ela é como que o anúncio de que “Deus onipotente, sendo soberanamente bom, nunca permitiria que qualquer mal existisse nas suas obras se não fosse suficientemente poderoso e bom para do próprio mal, fazer surgir o bem” (Santo Agostinho, Enchiridion de fide, spe et caritate, 3.11). De fato, nenhuma situação de pecado é maior do que a graça que Deus está disposto a oferecer ao coração arrependido. É a lógica da Cruz: do maior crime da história (a morte do Justo), Deus tirou o maior fruto de salvação (a redenção da humanidade).

Por isso dizia na semana passada e hoje reafirmo que, embora sejamos pobres pecadores, o nosso Deus, “autor de toda misericórdia e de toda a bondade”, não nos abandona à amarga solidão da nossa culpa. Ele nos oferece o consolo da sua misericórdia, como um dia ofereceu à mulher samaritana a água que purifica e regenera, ou seja, o Espírito Santo, que fluiria do seu lado aberto no alto da Cruz. Na porta da casa, o pai misericordioso espera a volta do filho mais novo. É novo não apenas no sentido da idade, mas também no sentido de que sua vida se renova nas entranhas da misericórdia do Pai. É admirável a obra da redenção do gênero humano que Deus realiza por puro amor, por simples misericórdia.

II. “No dia seguinte à Páscoa comeram dos frutos da terra” (Js 5,11)

A misericórdia de Deus se abraça com a justiça. O povo que saiu do Egito passou quarenta anos vagando pelo deserto até chegar às portas da terra da Promissão, sob os amorosos cuidados de Deus. Moisés não entra na Terra. Ele chega ao limiar da nova casa dos filhos de Israel. Durante a travessia do mar e do deserto, os cuidados de Deus foram imensos. Ele deu de comer a carne das codornizes e por fim o maná caído do céu. Deu-lhes de beber da água da rocha, fendida com o bastão de Moisés.

Às portas da entrada na Terra Prometida, Moisés entrega o bastão a Josué, para que ele entre com o povo purificado pelos quarenta anos de deserto dos vícios da escravidão e dos resquícios da idolatria do Egito. Todos os que saíram do Egito, todos os que cometeram o pecado da idolatria no meio do caminho, embora perdoados por Deus, não entram na Terra onde corre leite e mel. Morrem libertos da escravidão do Egito, mas antes de chegar à Terra.

Ao entrar na Terra, o povo de Deus vê o fim dos dons caídos do céu. Agora comem dos frutos da terra pela primeira vez. O que haviam comido antes eram prelibações dos cuidados de Deus, eram carinhos de Deus que os preparavam para a Terra onde corre leite e mel. Assim como as multiplicações dos pães eram prefigurações da Eucaristia, esta, por sua vez, é para nós prelibação do banquete celeste, do banquete do Cordeiro.
“Bendirei o Senhor em todo tempo. (…) Contemplai a sua face e alegrai-vos e vosso rosto não se cubra de vergonha” (Sl 33,2.6). Com o salmista louvamos o Senhor pela entrada na terra prometida, pela degustação dos primeiros frutos da terra prometida a Abraão. Assim cantaremos hinos e cânticos celestes quando formos chamados a beber do cálice da salvação na Jerusalém celeste. A travessia do deserto é um sinal de que não se entra na Pátria sem a purificação dos pecados. A justiça da purificação do deserto se abraça com a misericórdia da entrada na terra e a degustação dos primeiros frutos.

III. “Em nome de Cristo, nós vos suplicamos: deixai-vos reconciliar com Deus” (2Cor 5,20b)

Quem não se lembrará de que no dia da Ressurreição, o Ressuscitado confere aos Apóstolos o poder divino de perdoar os pecados? Após saudar com a Paz, ele diz aos Apóstolos: “Recebei o Espírito Santo. Aqueles a quem perdoardes serão perdoados; aqueles a quem retiverdes os pecados, estes lhes serão retidos” (Jo 20,22-23). Tendo diante dos olhos este dom conferido por Jesus à Igreja nascente, podemos entender a segunda leitura e a força com que Paulo convida os Coríntios a se deixarem reconciliar com Deus.
Com que autoridade convocamos à reconciliação com Cristo? São Paulo, bem ciente do mandato recebido do Senhor através da sua Igreja, diz com força: “Somos, pois, embaixadores de Cristo, e é Deus mesmo que exorta através de nós” (2Cor 5,20a). E esta autoridade, este poder divino, tudo isso foi transferido pelos Apóstolos aos seus Sucessores, o Colégio dos Bispos. Portanto, o que nos confere a nós bispos e aos padres a autoridade para falar com tanta força é precisamente a urgência que todos temos de abraçar a misericórdia e de sermos curados por ela. Ouvíamos dos lábios de Jesus, no Evangelho de domingo passado: “Se vós não vos converterdes, ireis morrer todos do mesmo modo” (Lc 13,3). Não era uma ameaça de castigo, era uma exortação a colhermos o tempo que escapa de nossas mãos. O tempo é da misericórdia. A vinda do Senhor será o Juízo.

Nesse meio tempo, tendo recebido tão grande tesouro, a graça do fácil acesso ao perdão dos nossos pecados, nosso coração não pode deixar de agradecer ao bom Deus todos os dias: Obrigado, Senhor, por nos amar tanto assim. Destes o Vosso Filho que nos amou e se entregou por nós. Fomos resgatados a caro preço: o preço do Sangue de Cristo. Por vossa infinita bondade, recebemos das mãos do Senhor Ressuscitado a mediação sacramental do perdão no mesmo dia da Ressurreição.

IV. “Vamos fazer um banquete. Porque este meu filho estava morto e voltou a viver” (Lc 15,23-24).

Caros amigos, a belíssima parábola do Filho Pródigo nos da a ocasião de um encontro com o coração amoroso do Senhor. Nos faz ver como trata o pecador, com uma palavra final: o perdão. Mas também nos faz perceber como trata a dureza de coração dos muitos irmãos mais velhos. Como na parábola, Ele não fechará as portas do perdão, nem deixará de tentar persuadir o coração do filho mais velho a compreender as razões do coração.
A parábola é precedida por duas outras parábolas bem breves. A da dracma perdida, que uma mulher pobre perde no interior da própria casa. Ela vasculha a casa e faz festa por um bem ínfimo como a moeda. A parábola seguinte é a da ovelha tresmalhada. O pastor perde a ovelha fora do redil, do cercado. Sai para procurar fora do recinto deixando as noventa e nove para trás, no redil. Na parábola do filho pródigo, o filho mais novo se perde fora de casa. O filho mais velho se perde dentro de casa, não consegue ter misericórdia. E a parábola nada diz sobre a decisão dele após a exortação do pai amoroso.

Mas voltemos ao filho pródigo ou perdulário. São João Paulo II, na Exortação apost. Pós-Sinodal Reconciliatio et Poenitentia nos ajuda a compreender o significado dessa parábola para nós. Ele diz que “o homem, — cada um dos homens — é este filho pródigo: fascinado pela tentação de se separar do Pai para viver de modo independente a própria existência; caído na tentação; desiludido do nada que, como miragem, o tinha deslumbrado; sozinho, desonrado e explorado no momento em que tenta construir um mundo só para si; atormentado, mesmo no mais profundo da própria miséria, pelo desejo de voltar à comunhão com o Pai. Como o pai da parábola, Deus fica à espreita do regresso do filho, abraça-o à sua chegada e põe a mesa para o banquete do novo encontro, com que se festeja a reconciliação”.

O Santo Pontífice nos ajuda a apreciar melhor a beleza da reconciliação a que nos convida Cristo, a que nos convida também Paulo na segunda leitura: “A nostalgia da reconciliação e a própria reconciliação serão plenas e eficazes, na medida em que atingirem — para a curar — aquela dilaceração primordial, que é a raiz de todas as outras, ou seja, o pecado”. (cf Exortação apost. Reconciliatio et poenitentia, n. 3).

O pecado é coisa séria. Ele nos separa radicalmente de Deus. Não é apenas uma simples contravenção, a mera transgressão a algum código de boas maneiras religiosas. Mas então o que é o pecado, segundo as Escrituras? É coisa séria. O termo mais usado no NT grego é hamartía, que indica a atitude de faltar contra uma norma ou uma lei, ou contra uma pessoa ou mesmo até contra uma divindade. Tem um sentido propriamente religioso. Mas há outra palavra adikía (negação de justiça, i. é, diké) cujo significado se relaciona mais com a prática da injustiça. Também se usam outros termos como parábasis ou transgressão; de asébeia, impiedade, e outros conceitos que mostram diversos aspectos morais e teológicos do pecado.

Um outro ponto importante mostrado pela parábola é a necessidade do reconhecimento arrependido do pecado. Novamente nos valemos do ensinamento de São João Paulo II para compreender as exigências da conversão a que nos convida Jesus, especialmente na Quaresma. Assim diz o Santo Pontífice a propósito da importância do ministério de reconciliação da Igreja. Ele tem a finalidade claramente penitencial de levar o homem ao «conhecimento de si», ao desapego do mal, ao restabelecimento da amizade com Deus, à reordenação interior e à nova conversão eclesial (cf Reconciliatio et poenitentia 13).

A experiência do filho pródigo ao gastar todos os bens passa da sensação de bem-estar à percepção da completa perda da dignidade. Nem sequer com os porcos lhe era consentido comer. Chegado a este ponto, o Evangelista anota: “Mas então caiu em si”. Ele ainda não dá sinais de um arrependimento perfeito, de uma perfeita contrição movida por amor. Mas sente nostalgia da casa do pai, do respeito e da dignidade com que era tratado: era filho. Então ele se pôs a caminho sem pretender ser tratado como filho. Fosse apenas como um servo estaria melhor. Mas o pai que o avista ao longe, fica tomado de compaixão, corre-lhe ao encontro, abraça-o e o beija. Nem sequer o deixa concluir o seu discurso. E manda buscar a veste filial. O anel da herança, a sandália da liberdade.

Este encontro do “Segue-me” que hoje se encerra trouxe muitos jovens a um renovado encontro pessoal com Jesus, bem emoldurado pelo quadro evangélico da parábola da alegria do perdão.

Neste Domingo da alegria antecipada, é bom nos lembrarmos da Virgem Maria, Mãe de Misericórdia. Como é bom saborear as doces palavras do Profeta Isaías: “Laetare –  Alegra-te, Jerusalém!”. Nós somos cidadãos da Nova Jerusalém….

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