Dom Jacinto Bergmann
Arcebispo de Pelotas (RS)
A parábola contada pelo mestre de Nazaré, que o evangelista Mateus deixou escrita no capítulo 13 do seu Livro evangélico, sempre me deixou e me deixa intrigado pela sua pertinência para os nossos dias. É preciso registrar que todo o capítulo 13 do Livro é uma construção literária em forma de um “discurso em parábolas”. Esse está composto por sete parábolas. Entre elas a parábola do “tesouro escondido”, objeto de nossa reflexão: “O reino do céu é como um tesouro escondido no campo. Um homem o encontra e o mantem escondido. Cheio de alegria, ele vai, vende todos os seus bens e compra aquele campo”.
Está abordado nessa parábola, comparando o reino do céu a “um tesouro escondido no campo”, temos sete passos: 1º O reino do céu, como “tesouro”, está escondido (“escondido”) para o homem da parábola; 2º O reino do céu, como “tesouro”, é encontrado (“encontra”) pelo homem da parábola; 3º O reino do céu como “tesouro” é guardado (“mantem escondido”) pelo homem da parábola; 4º O reino do céu, como “tesouro”, provoca alegria (“cheio de alegria”) para o homem da parábola; 5º O reino do céu, como “tesouro”, faz o homem da parábola ir em ação (“vai”); 6º O reino do céu, como “tesouro”, faz o homem da parábola vender (“vende”) todos os seus bens; 7º O reino do céu, como “tesouro”, faz o homem da parábola comprar (“compra”) aquele campo.
Aplicando esses passos da parábola para os nossos dias e usando um linguajar encarnado, identificamos: 1º O reino do céu, como “tesouro”, encontra-se escondido para a humanidade; mas ele existe; precisa ser encontrado; nos nossos dias, pouco esforço se faz para ser encontrado; é ofuscado pelo brilho ilusório do apenas reino da terra; 2º O reino do céu, como “tesouro”, no entanto, é possível de ser encontrado pela humanidade; ela tem acessibilidade ao “tesouro” porque foi criada para ele; exige, porém, uma busca aberta; 3º O reino do céu, como “tesouro”, necessita ser guardado pela humanidade; é precioso demais para ser jogado fora, para não ser valorizado; não pode ser menosprezado por ideologias niilistas e absurdas; 4º O reino do céu, como “tesouro”, provoca a mais existencial alegria à humanidade; alegria não passageira e ilusória, alegria fruto do sentido da vida; alegria que contrasta com o absurdo niilista da vida; 5º O reino do céu, como “tesouro”, torna a humanidade dinâmica; ele não faz estagnar, mofar e morrer; ele faz andar e andar juntos; ele tem sabor de eternidade; 6º O reino do céu, como “tesouro”, tem preço máximo para a humanidade; tudo pode e deve ser vendido em prol do seu valor; ele substitui a todos os bens; 7º O reino do céu, como “tesouro”, é a maior aquisição para a humanidade; quem o “compra” não se arrependerá; quem o “compra” adquiriu e adquirirá o absoluto; sua compra é o maior investimento.
A parábola contada pelo mestre de Nazaré e aplicada para a humanidade de hoje nós, instiga-nos necessariamente à reflexão: Quem é o reino do céu como “tesouro”, num momento em que a civilização enxerga mais o reino da terra como o “grande” tesouro? Há espaço para o reino do céu junto ao reino da terra? A humanidade é criada somente para o reino da terra ou também para o reino do céu? O reino do céu, onde o Todo-poderoso e o Todo-misericordioso reina, é combatível com o reino da terra, onde o ser humano se coloca como portador do “quem tem mais, pode mais e chora menos”? Os dois reinos – do céu e da terra – são antagônicos ou complementares?
O reino do céu é o reinado do Deus criador; o reino da terra é o reinado da criatura humana. Criador e criatura, reinando juntos – esse é o sentido da vida, não abrindo espaço para o absurdo da vida. O reino da terra aberto ao reino do céu, tudo ganha sentido; o reino da terra fechado ao reino do céu, tudo perde sentido. O reino do céu está para o reino da terra como o reino da terra está para o reino do céu. A inter-dependência de ambos leva ao sentido da vida; a in-dependência de ambos leva ao absurdo da vida.
A humanidade de hoje precisa novamente ser aprendiz do ensinamento da parábola do “tesouro escondido” do mestre de Nazaré. É questão de sentido da vida!
Fonte: CNBB