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A MESA DA PALAVRA – Homilia do V Domingo da Quaresma – Ano B

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“Quando eu for exaltado, atrairei a mim todas as coisas!” (Jo 12,32)

Caros amigos,

Já vai adiantado o tempo da Quaresma, tempo forte de reconciliação com o Senhor e propício à nossa conversão. |O Quinto Domingo, no usus antiquior do Rito Romano era chamado Primeiro Domingo da Paixão. No Missal atualmente em uso, aparece um claro vestígio da proximidade da Paixão precisamente nas indicações do formulário da missa desse domingo. O antigo uso de cobrir as imagens e cruzes a partir deste domingo pode conservar-se. As cruzes permanecem veladas até o seu solene descerramento na Celebração da Paixão do Senhor na Sexta-Feira Santa. As demais imagens sacras permanecem veladas até o início da Vigília Pascal. Parece evidente o zelo da Igreja em concentrar a atenção dos nossos olhos somente ao mistério da sagrada paixão de nosso Senhor. Mergulhados nas trevas, só a luz da Páscoa nos permitirá voltar a ver a multicor beleza das nossas Igrejas e das imagens dos nossos santos.

Além deste uso, a partir da segunda-feira desta quinta semana, a Liturgia das Horas já pode elevar hinos já referentes à Paixão do Senhor, os mesmos previstos para a Semana Santa. A Igreja glorifica a Deus pelo imenso amor ao mundo que Ele manifesta na entrega do Seu Filho humanado.

Após a Reforma conciliar, a Igreja Latina retomou ainda um outro costume, uma prática pastoral muito forte nos primeiros séculos da Igreja. O Rito de Iniciação Cristã de Adultos prevê para este domingo a celebração do terceiro escrutínio preparatório para o batismo dos catecúmenos, que a Igreja sói celebrar na Vigília Pascal. Neste caso podem ser tomadas leituras especialmente previstas para a ocasião, no ciclo A das leituras dominicais da Quaresma.

Este domingo começa a remeter-nos de modo mais intenso ao coração do anúncio cristão, ao ineludível mistério da Paixão, Morte e Ressurreição de nosso Senhor Jesus Cristo. É ele que nos “faz justiça”, entregando-se à morte no seu amor pelo mundo. É Ele que nos cura do veneno da antiga serpente. Sua morte se torna antídoto para a nossa.

I. “Fazei-me justiça, ó Deus … Sois o meu Deus e meu refúgio” (cf Sl 42,1-2)

A Coleta rezada hoje se inspira fortemente numa oração do Rito Hispano-Moçárabe que assim reza: “Ó Cristo Deus, que suportastes ser suspenso entre inimigos suportando o ultraje da Cruz, dai-nos a paciência de uma vida perfeita, para que com a vossa ajuda sejamos encontrados também nós perfeitos na caridade pela qual, vós amando o mundo, por ele vos submetestes à morte”. Esta oração dirigida a Cristo é claramente a fonte inspiradora da coleta do rito romano, que hoje rezamos. A nossa Coleta dirige-se ao Pai (conforme o uso e nela pedimos a graça de “caminhar com alegria na mesma caridade, no mesmo amor, que levou Cristo a entregar-se à morte no seu amor pelo mundo”. De fato, Deus amou tanto o mundo que enviou seu Filho unigênito para que o mundo seja salvo por Ele. (cf. Jo 3,16-17). A exigência que nos faz o Senhor é que creiamos nele. Quem crer e for batizado será salvo (cf Mc 16,16), será justificado, pois o Senhor faz justiça, é Ele a minha fortaleza e o meu refúgio.

A “paciência de uma vida perfeita” pedida na oração Moçárabe, na coleta do nosso Missal se converte em um “caminhar na alegria da caridade” com que o Senhor Jesus Cristo amou o mundo a ponto de se entregar. A alegria evocada a semana passada continua a permear a nossa penitência quaresmal. A penitência quaresmal, na medida em que tira os obstáculos da nossa comunhão com o Senhor, se torna fonte da nossa perfeição no amor. Caminhar com alegria na mesma caridade é a graça que a Igreja suplica para os seus filhos nesta oração.

Esta alegria nasce da ação soberana de Deus nosso Pai, que nos liberta da impiedade e da mentira. Ele é assim, o nosso refúgio e fortaleza. Por isso não tememos nem mesmo as nossas fragilidades. “O Senhor é a minha luz e a minha salvação. A quem temerei?”.

II. “Concluirei uma nova aliança e não mais lembrarei o seu pecado” (cf Jer 31, 31.34).

Nesta primeira leitura, extraída do profeta Jeremias, anuncia-se o tempo de uma aliança que liga Deus ao mais íntimo do coração, é uma “aliança nova”. Com esta nova aliança, a observância dos mandamentos já não consistirá em carregar um peso enfadonho, proveniente de uma norma extrínseca, exterior, opressiva. A Lei já não se escreve em tábuas de pedra, mas vai ser inscrita no coração, na alma humana pelo próprio Deus.

Sabemos bem que este tempo preanunciado já chegou. Foi na Sua oblação, no sacrifício da Cruz que Cristo selou a nova e eterna aliança. Na Ceia com os discípulos Ele mesmo antecipou de modo ritual, litúrgico, o sacrifício cruento da Cruz dizendo: “Este cálice é a nova aliança no meu sangue”. Depois, do sacrifício de Jesus, do seu lado aberto jorraria o Espírito Santo e a força dos sacramentos. Recebendo a Eucaristia e o dom do Espírito Santo entramos na nova e eterna Aliança.

Ao recebermos no Batismo a nova condição de participantes da natureza divina mediante o dom do Espirito de adoção filial, somos regenerados, purificados, iluminados. E quando, após o Batismo, a experiência do pecado de novo nos abate, precisamos clamar como Davi “criai em mim um coração que seja puro, dai-me de novo um espírito decidido” (Sl 50,42).

A Mãe Igreja nos ensina a suplicar confiantes, nos louvores vespertinos da quaresma: “Por vossa graça, perdoai / as nossas culpas do passado; / contra as futuras protegei-nos, / manso Jesus, Pastor amado”.

III. “Na consumação de sua vida, tornou-se causa de salvação eterna para todos os que lhe obedecem” (Hb 5,9).

O hagiógrafo da carta aos Hebreus descreve em pormenor as angústias sofridas por Cristo “nos dias de sua vida mortal” quando “dirigiu preces e súplicas, com forte clamor e lágrimas àquele que tinha poder de salvá-lo da morte” (Hb 5,7). Essa clara alusão às lágrimas derramadas no Getsêmani e ao brado do Calvário (cf Mc 15,34) precede a afirmação de que o Filho acolhe voluntariamente a vontade do Pai por ter aprendido “o que significa a obediência por aquilo que ele sofreu” (Hb 5,8).

Na condição de Filho do Eterno Pai, não era necessário enfrentar a morte nem aprender pelo sofrimento a obediência. Contudo, o Filho aceitou ambas as coisas para se tornar-se “causa de salvação eterna para todos os que lhe obedecem” (Hb 5,9).

Quão sublime é o amor do Senhor por nós! Na Paixão fica patente este amor, fica evidente que o caro preço do nosso resgate (cf I Cor 6,20) foi o Seu precioso Sangue derramado na Cruz, “cuius uma stilla salvum facere totum mundum quit ab omne scelere” (Hino Adoro te devote).

Tão grande oferta de amor, exige a correspondência repleta de gratidão, expressa no amor obediente à vontade do Pai, que pela ação do Espírito Santo podemos conhecer, amar e obedecer, para a nossa salvação e maior glória do Deus uno e Trino.

IV. “Senhor, queremos ver Jesus” (Jo 12, 21)

Os gregos, os gentios procuram Jesus, querem vê-lo. E o Senhor anuncia de novo a Paixão, a sua exaltação na Cruz, apresentando-a como o mistério da Sua glorificação e da Sua obediência à vontade do Pai. Os gregos e os discípulos não verão um messias glorioso, mas um Servo Sofredor que salva o mundo pelo seu amor de oblação.

Pe. Gabriel de Santa Maria Madalena, nos ajuda a entrar nos segredos deste Evangelho. Diz-nos que o discurso de Jesus segue o pedido de alguns gregos – gentios – desejosos de ver o Senhor. A presença dos gregos – observa o douto e pio carmelita – parece substituir a dos hebreus, que a esta altura, incitados pelos chefes dos sacerdotes e do sinédrio, já se afastaram decididamente dele e maquinam a Sua morte. Afastado o risco das expectativas messiânicas do tempo, Jesus já pode apresentar-se abertamente como o Salvador de todos os homens, mais parecido com o Servo Sofredor. “Em verdade vos digo: se o grão de trigo cair na terra e não morrer, fica só ele: mas se morrer, dá muito fruto” (Jo 12,24).
Jesus revela abertamente – para o escândalo farisaico de muitos – que a Sua glorificação realizar-se-á na morte, de modo análogo ao grão de trigo que morre para germinar em novas espigas. A Sua obediência usque ad mortem, mortem autem crucis produz muito fruto. O fruto da morte de Jesus, de ser o grão de trigo caído na terra, será o nascimento do novo povo de Deus. Com sua morte cai o muro que separava a humanidade entre gentios e judeus. Agora gregos e hebreus, homens de toda raça e nação, todos os redimidos pelo Sangue de Jesus são irmãos da mesma família dos filhos de Deus.

Aqui notamos a expressão paradoxal da união hipostática. Jesus conhece de antemão os frutos da sua imolação e vê com alegria aproximar-se a hora da Sua cruz. Mas ao mesmo tempo, diante da hora da cruz, a Sua humanidade não deixa de sentir o terror do sofrimento, que expressa abertamente: “Agora a minha alma está perturbada. Que direi: ‘Pai, livra-me desta hora’? No entanto foi para isto que eu vim, para esta hora. Pai, glorifica o teu nome!” (Jo 12,27s). E o quarto evangelista evidencia a pronta resposta do céu à multidão, ante a expectativa do sofrimento: “Eu já o glorifiquei e o glorificarei de novo” (Jo 12,28).

O autor da “Intimidade divina”, glosando as palavras do Senhor, precisa que “quando for elevado sobre a terra, na Cruz, Jesus atrairá a Si todos os homens e ao mesmo tempo, tributará ao Pai a máxima glória que lhe é devida” (Meditação n. 83, B).
A nossa vocação sobre a terra é glorificar a Deus, louvá-lo com a vida e com a morte, acolhendo de coração aberto a salvação que nos é dada pelo Sangue de Jesus derramado a nosso favor.

É preciso, como os gregos de então, procurar Jesus. A história da salvação não consistiu em clamar “vultum tuum requiram, Domine”? Mas a pergunta que permanece sempre diante de nós é esta: Qual Jesus procuramos? Procuramos uma religião sem cruz, insipida, anódina, inodora, incolor e indolor. Uma religião compatível com a mundanidade dos prazeres desordenados e os deboches da cultura sem Deus, da cultura da morte, da cultura do embate? Aquela pergunta de Jesus aos discípulos quando da confissão de Pedro retorna: “E vós? Quem dizeis que eu sou?”. Se Jesus passasse hoje pelas ruas e casas de Itumbiara, pela minha casa, ou pelo portão de casa, seria tratado melhor do que foi em sua terra natal? Sua pregação seria acolhida? Seu amor pelos pobres seria compreendido? Deixaríamos para trás as tradições religiosas incompatíveis com o Evangelho para ser amigos de Cristo? Ou diríamos: aqui a gente sempre fez assim?

“Quando eu for elevado da terra atrairei todos a mim” (Jo 12,32). Quantos de nós seriam atraídos por Jesus que caminha para o calvário? Sim, era o caminho de amor pela salvação do mundo. Mas conseguiríamos ir além do que se podia ver com nossos frágeis olhos humanos: um rebotalho de homem que era objeto da chacota e do deboche dos mesmos que antes lhe pediam – e talvez tenham conseguido – sinais e milagres?

Mas, caros amigos, “eis o tempo de conversão, eis o dia da salvação. Ao Pai voltemos, juntos andemos”, juntos andemos pelos caminhos do Evangelho. Quebremos os grilhões dos pecados que ainda nos prendem ao príncipe deste mundo, rompamos com as diatribes ideológicas e limpando o nosso olhar para ver tudo com o mesmo olhar de Jesus.

Queridos irmãos, chegando quase ao fim deste tempo de Quaresma, nós não olhamos para as o insucesso dos propósitos iniciais. Para tudo há remédio. Nós agora vamos tomar a decisão certa: nunc coepi – começar agora, retomamos o vigor dos propósitos penitenciais formulados ao receber as cinzas e reacendemos o desejo ardente de celebrar com fervor a Santa Páscoa do Senhor. Com a Igreja nossa mãe rogamos confiantes: “Dai-nos, no tempo aceitável, / um coração penitente, / que se converta e acolha / o vosso amor paciente. // A penitência transforme / tudo o que em nós há de mal. / É bem maior que o pecado / o vosso dom sem igual (…) Nós, renascidos na graça, / exultaremos em prece” (Liturgia das Horas, Hino quaresmal Laudes).

Que a Virgem Mãe das Dores nos acompanhe nestas duas semanas, que nos faça acolher a vontade do Pai como o Seu divino Filho a abraçou, mesmo com a trepidação de sua humanidade.

 

Diocese de Itumbiara
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A Diocese de Itumbiara foi criada no dia 11 de outubro de 1966, pelo Papa Paulo VI, desmembrada da Arquidiocese de Goiânia; seu território é de 21.208,9 km², população de 286.148 habitantes (IBGE 2010). A diocese conta 26 paróquias, com sede episcopal na cidade de Itumbiara-GO.

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