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A mesa da Palavra – 24° Domingo do Tempo Comum – Ano B

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A MESA DA PALAVRA
Dom José Aparecido Gonçalves de Almeida
XXIV DOMINGO DO TEMPO COMUM – B
Itumbiara, 15 de setembro de 2024

E vós, quem dizeis que eu sou?” (Mc 8,29)

Caros amigos,
I. “Ó Deus, … volvei para nós o vosso olhar…” (Coleta)
A coleta desta missa se encontra ipsis litteris no formulário da missa in Natale Episcoporum, do Sacramentário Leoniano ou Veronense (Sec. VI-VII), cuja autoria é atribuída ao grande Papa e Doutor da Igreja, São Leão Magno. Nela, a Igreja se dirige ao nosso Pai-Deus, criador e guardião providente da criação, suplicando-lhe que volva o seu olhar misericordioso a nós, seus filhos; suplica ainda que nos conceda a graça de servi-lo de todo coração para assim poderemos sentir o efeito do perdão com o qual a sua infinita bondade nos converte em novas criaturas.
A nossa conversão em novas criaturas é obra que Deus realiza em nós, nunca sem a nossa cooperação. Começa por iniciativa Deus que, qual Pai amoroso, volve o olhar para as criaturas que chamou à existência. Em Jesus enviado pelo Pai encontramos a Palavra eterna encarnada: Deus não apenas volve o olhar para a criatura, mas decide compartilhar sua história fazendo-se igual a nós em tudo menos no pecado. Na sua missão, somos curados pelo perdão que jorra da Cruz, somos tocados pelo anúncio do Reino e pelo convite à conversão. Viemos de Deus e somos chamados a voltar para Ele mediante a obra redentora de Jesus.
Neste breve tempo de reflexão, procuremos imergir de todo o coração no mistério que celebramos, saboreando os textos litúrgicos (bíblicos e eucológicos) para procurarmos com sinceridade a comunhão com Deus mediante fé que opera pela caridade.
Retomemos a Palavra de Deus proclamada para saboreá-la mais a fundo.

 

II. “O Senhor, abriu-me os ouvidos; não lhe resisti nem voltei atrás” (Is 50,5).
Hoje a mesa da Palavra de Deus nos interpela com questões fundamentais para o nosso caminho de conversão a uma vida conforme a Boa-Nova da salvação anunciada por Jesus e transmitida a nós pela Igreja. Tanto no Novo Testamento como na Liturgia não é concebível contemplar a Paixão de Cristo sem que nos venham à memória os Cânticos do Servo Sofredor.
Nesta primeira leitura, do profeta Isaias (50,5-9a), o Servo sofredor se apresenta como aquele que aceita com docilidade a missão que lhe é confiada por Deus: ele ouve a Palavra que o interpela e cheio de confiança aceita a convocação para a missão. Ele não recua ante as dificuldades, nem mesmo em presença dos obstáculos mais violentos (v. 6), mas suporta com corajosa paciência, com galhardia os ultrajes sofridos.
Onde encontra ele a força para resistir sem se abater? O autor sagrado nos revela que ele não se deixa abater porque anda na presença do Senhor Javé e deposita nele toda a sua confiança. Reconhece no Senhor Deus o seu Auxiliador e não esmorece; antes “conserva o rosto impassível como pedra” (v. 7), sem temer acusações ou eventuais condenações. É fácil reconhecer nestas palavras a fonte de inspiração do Apóstolo Paulo ao escrever aos Romanos: “Se Deus é por nós, quem será contra nós?”. A Igreja reconhece no Senhor Jesus o servo sofredor. Ela mesma, que continua a sua missão na história como corpo de Cristo, reconhece nas dores sofridas por seus membros os padecimentos do Servo sofredor. Paulo, após refletir sobre a graça da filiação divina, mostra onde se encontra a esperança de quem, unido ao mistério da cruz de Cristo, sofre com Ele as dores do Servo.
Diz o profeta: “Vejamos. Quem é meu adversário? Aproxime-se. Sim, o Senhor Deus é meu Auxiliador; quem é que vai me condenar?” (Is 50,8-9a). Por sua vez, o Apóstolo, profundo conhecedor da Palavra, sabedor da vitória de Cristo sobre a morte, ancorado numa esperança que não decepciona, nos diz: “Que diremos depois disso? Se Deus é por nós, quem será contra nós?” (Rm 8,31).
A confiança do Profeta na intervenção do Senhor nasce da convicção de que o Senhor sempre volve o seu olhar paterno sobre nós, sempre nos ampara no combate quotidiano.

 

III. “E vós quem dizeis que Eu sou?” (Mc 8, 29).
Depois do milagre do “éfata”, curando a surdez e a dificuldade de falar, proclamado domingo passado, Jesus vai caminhando pelos povoados da Cesaréia de Filipe. Depois de ter realizados muitos sinais, passou por diversos vilarejos anunciando que o Reino está próximo. E enquanto caminhava perguntou aos discípulos: “Quem dizem os homens que eu sou?” (Mc 8, 27).
Ao lhes propor esta pergunta, Jesus não está interessado em fazer pesquisas de opinião, nem está à procura de acumular manifestações de apoio popular, não tem necessidade de sentir-se aprovado. Ao pôr esta questão, Ele deseja criar o ambiente mais adequado para revelar aos seus a sua condição. Muitas vezes ordenou aos demônios que se calassem, ordenou aos discípulos que não dissessem a ninguém quem era. Outras vezes fugiu das tentativas de coroá-lo rei. No discurso sobre o Pão da Vida, narrado no quarto Evangelho, quando as multidões o abandonaram por achar “duras as suas palavras, Jesus chega a dizer aos mais próximos que podiam ir embora também eles.
Agora chegou o momento de lhes fazer ver quem é Ele, de procurar a adesão deles à vontade do seu Pai e nosso Pai. Esta adesão passa pelo mistério da Cruz. Ele quer testar o pulso da fé dos seus seguidores mais próximos. Quer que digam em que creem. Afinal, é a eles que confiará o mandato de transmitir o Evangelho e deles fará as colunas do novo povo de Deus, as colunas da Igreja. Quer que eles percebam o paradoxo da sua missão que pode levar à efusão de sangue.
O capítulo 8 do Evangelho segundo Marcos é, portanto, o ponto crucial da missão de Jesus. Pronto para começar a desvendar o “segredo messiânico” Ele acolhe a confissão de Pedro: “Tu és o Messias”! Sim, Jesus é o Messias esperando sim, mas não é Messias triunfante esperado por muitos, inclusive entre os seus, como veremos.
Bento XVI, ao contemplar esta passagem evangélica, entrevê duas questões que repropõe a nós. A primeira questão diz respeito à nossa fé em Jesus Cristo, poderíamos resumi-la assim: “Quem é para mim, para nós Jesus de Nazaré?”. A segunda diz respeito ao nosso modo de viver a fé que professamos em Jesus: “A nossa fé se traduz em obras ou não?”.  A primeira diz respeito à verdade da nossa fé. A segunda se refere à relação entre a fé professada e a caridade praticada.
A primeira questão encontramo-la na pergunta que Jesus dirige aos seus discípulos aos seus discípulos: “E vós quem dizeis que Eu sou”? (Mc 8, 29). A resposta de Pedro é clara e imediata: “Tu és Cristo”, isto é, o Messias, o consagrado de Deus enviado para salvar o seu povo. Portanto, Pedro e os outros apóstolos, ao contrário da maior parte das pessoas, creem que Jesus não é só um grande mestre, ou um profeta, mas muito mais. Têm fé: creem que n’Ele está presente e age Deus.
Porém, logo após esta profissão de fé, quando Jesus pela primeira vez anuncia abertamente que terá que sofrer e morrer, o próprio Pedro opõe-se à perspectiva de sofrimento e de morte, sem fazer caso do contextual anúncio da Ressurreição. Então Jesus repreende Pedro com vigor para lhe fazer compreender que não é suficiente crer que Ele é Deus, mas estimulado pela caridade é preciso segui-lo pelo seu mesmo caminho, o da Cruz (cf. Mc 8, 31-33). Jesus não nos veio ensinar uma filosofia, mas mostrar-nos um caminho, aliás, o caminho que conduz à vida.
O que o Senhor disse de Si vale para os discípulos. O mistério doloroso da Cruz é central na missão redentora de Jesus. E nós o vemos na Liturgia, nas Escrituras, na iconografia cristã e nos copiosos frutos de santidade trazidos pela experiência da redenção.
Como se dá em nossa vida o acolhimento da Cruz redentora? Como abraçá-la com garbo, à semelhança de Jesus? Em primeiro lugar acolhendo com elegância e amorosa paciência as contrariedades pequenas ou grandes da vida quotidiana, as pequenas humilhações impostas pela vida, unindo-as ao pão e ao vinho do sacrifício eucarístico. Isso nos conformará mais e mais a Cristo.
Mas também podemos escolher pequenas mortificações ativas a serem exercitadas na luta ascética diária contra os vícios e as inclinações contrárias à beleza de Cristo. Trata-se de empenho determinado nas lutas contra o homem velho que sempre resiste ao nosso combate. Neste combate não nos faltará a mão do Deus Auxiliador que nos ajudará com sua graça a ouvir a Palavra e a fazer tudo o que Jesus disser.

 

IV. “Mostra-me a tua fé sem as obras, que eu te mostrarei a minha fé pelas obras” (Tg 2,18)
Na sequência da meditação sobre o Evangelho, ao meio-dia do dia 13 de setembro de 2009, em Castel Gandolfo, Bento XVI prosseguiu refletindo sobre o modo de tornar tangível na vida corrente o caminho da fé. Ele dizia que este caminho é amor, amor que é a expressão da verdadeira fé. Eis como ele se exprimia: « Se alguém ama o próximo com coração puro e generoso, significa que deveras conhece Deus. Se ao contrário alguém diz que tem fé, mas não ama os irmãos, não é um verdadeiro crente. Deus não habita nele. Afirma-o claramente São Tiago na segunda leitura da Missa deste Domingo: “Se ela não tiver obras [a fé] é morta em si mesma” (Tg 2, 17). A este propósito, apraz-me citar um escrito de São João Crisóstomo, um dos grandes Padres da Igreja, que hoje o calendário litúrgico nos convida a recordar. Comentando precisamente o trecho citado da Carta de Tiago ele escreve: “Uma pessoa pode até ter uma reta fé no Pai e no Filho, assim como no Espírito Santo, mas se não tem uma vida reta, a sua fé não lhe servirá para a salvação. Portanto o que lês no Evangelho: ‘A vida eterna consiste nisto: que Te conheçam a Ti, único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a Quem enviaste’ (Jo 17, 3), não penses que este versículo seja suficiente para nos salvar: são necessários uma vida e um comportamento puríssimos” (cit. em J.A. Cramer, Catenae graecorum Patrum in n.t., vol. VIII In Epist. Cath. et Apoc., Oxford 1844) ».
O apóstolo São Tiago, portanto, nos coloca ante a exigência de conexão entre a profissão da verdadeira fé – da fé católica que recebemos dos Apóstolos – e as obras de misericórdia. A profissão da fé católica e a coerente prática das obras de misericórdia exige de nós conversão de costumes, desapegos a bens transitórios, crescimento generoso no amor à vida dos irmãos. As obras de misericórdia requerem conversão para vermos nos pobres e sofredores a imagem de Jesus, o Servo, e não apenas pobres indigentes a quem aliviar com alguma escassa esmola.
Irmãos, continuemos a pedir a Deus, que tudo governa com seu olhar providente, que volva a nós o seu olhar, para sentirmos a ação do seu amor misericordioso, de modo que nos coloquemos ao seu santo serviço tanto nas periferias geográficas como nas periferias existenciais nestas terras em que vivemos.
A Virgem Maria, que acreditou na Palavra do Senhor, não perdeu a sua fé em Deus quando viu o seu Filho rejeitado, ultrajado e crucificado. Permaneceu antes ao lado de Jesus, sofrendo e rezando até ao fim. E viu o alvorecer radioso da sua Ressurreição. Aprendamos com ela a testemunhar a nossa fé por uma vida de serviço humilde, prontos a pagar pessoalmente o preço de permanecer fiéis ao Evangelho da caridade e da verdade, na certeza de que nada do que fazemos está perdido. No fim, como nas Bodas de Caná, não nos faltará o galardão do vinho da alegria aqui e no banquete celeste.
Louvado seja nosso Senhor Jesus Cristo!
Diocese de Itumbiara
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A Diocese de Itumbiara foi criada no dia 11 de outubro de 1966, pelo Papa Paulo VI, desmembrada da Arquidiocese de Goiânia; seu território é de 21.208,9 km², população de 286.148 habitantes (IBGE 2010). A diocese conta 26 paróquias, com sede episcopal na cidade de Itumbiara-GO.

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