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I Domingo da Quaresma – Ano C

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A MESA DA PALAVRA
I Domingo da Quaresma
Itumbiara, 9 de março de 2025

“… e, no deserto, Ele era guiado pelo Espírito” (Lc 4,1)

Caríssimos amigos

I. “Deus todo-poderoso, através dos exercícios anuais do sacramento da Quaresma, concedei-nos progredir no conhecimento do mistério de Cristo e corresponder-lhe por uma vida santa” (Coleta).

A Quaresma é chamada sinal sacramental da nossa conversão por cujos exercícios anuais procuramos progredir numa vida santa. Significa que os dias que passam e os ritos que neles celebramos evocam e manifestam o nosso empenho em rever a vida e a examiná-la à luz das exigências do Evangelho.

Assim, com a oração coleta, de antiguíssima composição (sec. VII) e já presente no vetusto Sacramentário Gelasiano, a igreja pede para seus membros a graça de “progredir no conhecimento do mistério de Cristo”. Tal conhecimento não é fruto apenas do aprofundamento intelectual: Paulo já advertia para este risco: Scientia inflat. A ciência, o conhecimento de mera erudição, incha o coração de soberba. O conhecimento, no sentido bíblico é relação de amor, da caridade que impele a imitá-lo. Pede ainda que nos torne capazes de “corresponder-lhe por uma vida santa”.

A santidade é a sequela ou imitatio Christi, que se pode também traduzir por amizade com o Senhor, que já não nos chama servos, mas amigos. Nesse sentido é a vocação de todos e cada um dos filhos de Deus..

Por estas e outras razões, a Quaresma é chamada “tempo favorável para a nossa salvação”. Todos os tempos são portadores de graça e, portanto, um convite à redenção da vida. Mas na Quaresma as exortações se tornam mais pressurosas e ardentes: a meditação sobre a nossa culpa se torna mais prolongada. O sacrifício da cruz orienta mais intensamente a contemplação da Igreja, na medida em que os nossos corações ficam mais abertos à escuta da Palavra de Deus. Toda a liturgia quaresmal se orienta à grande força atrativa da Páscoa.

Este é um domingo importante: começa a Quaresma e com ela nossa anual “subida a Jerusalém” com Jesus, para celebrar a Páscoa. O ponto de partida para a subida a Jerusalém é a passagem dos membros do Corpo pelo deserto, movidos pelo mesmo Espírito que guiou Cristo cabeça para jejuar e ser tentado. Toda a liturgia deste domingo nos ajuda a experimentar com o Senhor os exercícios de resistência às tentações fundamentais da existência humana para voltar sempre a decidir por Ele.

II. “Dirás, então, na presença do Senhor teu Deus: ‘Meu pai era um arameu errante…?” (Dt 26,4)
O texto do Deuteronômio indica que o povo apresentará as primícias ao sacerdote para que as deponha sobre o altar do Deus único e verdadeiro e, em seguida, proclamará a profissão de fé: “Meu pai era um Arameu errante…”.

Esta profissão de fé não é uma coletânea de afirmações doutrinais, é antes o relato da história da fidelidade de Deus ao Povo por Ele mesmo escolhido e tirado de Ur da Caldéia para lhe dar uma terra. A cesta das primícias que o povo apresenta ao sacerdote é repleta de memória e de ação de graças. Antes de tudo, memória: se Israel está em uma terra fecunda, onde corre leite e mel, é porque o próprio Deus aí o conduziu por pura graça, chamando-o de sua vida errática, libertando-o da escravidão, acompanhando-o com os sinais do seu poder e do seu amor na saída do Egito e na insidiosa viagem pelo deserto. Por isso, esta oferta dos frutos da terra é o sacrifício de ação de graças e de jubilosa adoração.

Também os apóstolos, após a efusão do Espírito Santo de Pentecostes, tomados pela coragem do anúncio dão testemunho do Ressuscitado. Ele retoma a história do Povo de Deus passando por toda a primeira Aliança e mostrando que a paixão morte e ressurreição de Cristo é o pleno cumprimento das expectativas do antigo Israel.

III. “Se, pois, com tua boca confessares Jesus como Senhor e, no teu coração, creres que Deus o ressuscitou dos mortos, serás salvo.” (Rm 10,9)

Caríssimos, a fé no Senhor nos faz percorrer o caminho quaresmal com o crescente desejo de chegar à Páscoa. Na celebração destes sacramentos, também nós morreremos e ressuscitaremos misticamente com o Senhor até que Ele venha cercado de Majestade. Por isso, depois de termos escutado a profissão de fé do Antigo Testamento na primeira leitura, escutamos agora, na segunda leitura, a expressão da fé do povo da Nova Aliança.

A vida do cristão depende toda da sua fé e que o ato de fé dá sentido a toda a sua vida. Sem a fé professada e expressa no modo de proceder, no estilo de vida, a vida não se pode chamar vida cristã. Aliás, para os que cremos no amor de Deus, não é possível deixar de exprimir na conduta a opção fundamental da sua vida. Já dizia Bento XVI na Deus Caritas est: “Ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo”. O ato de fé é o início do nosso ser cristão se for o encontro com uma Pessoa. Por isso podemos dizer sem medo de errar que a fé tem como centro a Pessoa de nosso Senhor Jesus Cristo, aquele que morreu e ressuscitou dos mortos.

Cada vez que recitamos o Credo, precisamos nos lembrar de que cada artigo de fé foi regado pelo sangue dos mártires, que não é apenas fórmula doutrinal, é também vida do corpo de Cristo. E o Credo é o resumo reconfortante dos nossos motivos de esperança e vida. Sobretudo na hora da agonia, juntamente com o ato de contrição pelos nossos pecados, podemos recitar o Símbolo dos Apóstolos, ainda que tenha de completar com um “aumentai a minha fé”.

Nesse sentido, também a nossa história repete aquela provida misericórdia divina. Deus continua a caminhar com o Seu povo, povo peregrino de esperança.

IV. “Jesus, no deserto, era guiado pelo Espírito e foi tentado” (cf Lc 4,1-2)

A Mãe Igreja, ao colocar no primeiro domingo da quaresma, este Evangelho da tentação de Jesus, nos faz refletir sobre a situação em que nos encontramos neste mundo. Com efeito, a tentação de Jesus pelo demônio é paradigmática para nós. A nossa natureza humana, de que o Senhor quiz tomar parte pela encarnação, experimenta a fragilidade e a necessidade de resistir à tentação. Depois de tentar o Senhor Jesus de todos os modos, o demônio se arredou dEle para retornar mais tarde, no “tempo oportuno” (Lc 4,13). Mas qual é esse “tempo oportuno”? Antes de tudo, irmãos, é o tempo da paixão de Jesus, em que o demônio (por si ou por meio de causas segundas (cf a passagem de Lucas 23,35.39, em que alguém diz: “Se és o Filho de Deus desce da cruz”).

Tempo oportuno é também o tempo da Igreja. Tudo o que acontece com Jesus, Cabeça da Igreja, também acontece com os membros do seu corpo. Satanás, depois de ter tentado sem êxito a Cabeça, volta à carga contra o Corpo. É significativa a perícope do Apocalipse (12, 1-8) que descreve o modo dramático como o dragão infernal arma ciladas para o menino e depois passa a perseguir a mulher, imagem da Igreja peregrina, que continua a rezar ao Pai: “não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal”.

Mas graças ao Bom Deus, o Evangelho de hoje felizmente não se limita a nos recordar que nesta vida estamos em perigo e que somos tentados: ele nos ensina o caminho da vitória: temos de imitar Jesus! E nosso Senhor venceu a tentação com duas armas: o Jejum e a Palavra de Deus. No prefácio da Liturgia das Cinzas há este elogio do jejum: “Com o jejum quaresmal, vós venceis vossas paixões, elevais o espírito, infundis a força e dais o prêmio”.

Mas, caros irmãos, qual jejum pode alcançar efeitos tão extraordinários e profundos? Certamente não o mero jejum corporal, quiçá acompanhado da vaidade ou do orgulho, da exploração da dignidade dos irmãos, das contendas ou rixas… Deus não sabe o que fazer com esse jejum que o aborrece: “por acaso é este o jejum que escolhi?” (Is 58,5). O Jejum corporal pode ser bom se acompanhado da oração. Mas é um jejum preparatório para um outro jejum que agrada a Deus.

Existe um segundo jejum, mais profundo e espiritual, que os primeiros cristãos denominavam “jejuar do mundo” (Clemente Alexandrino). Este jejum consiste em não nos conformarmos com a mentalidade deste mundo (cf. Rm 12,2), em abster-se não só das coisas pecaminosas, mas também daquelas inúteis, supérfluas, que sobrecarregam o espírito, que ligam a alma ao corpo e o corpo à terra.

Mas, notem bem, mesmo este “jejuar do mundo” é um jejum preparatório. O jejum verdadeiro, radical, que nenhum profeta sonhou, que consiste em jejuar de si mesmo, só Jesus o revela: “Se alguém quer vir após mim, renegue-se a si mesmo” (Lc 9,23). “A si mesmo”: esta é a raiz a ser cortada se se quer corresponder seriamente a Deus e ao Evangelho.

De certo modo é fácil fazer jejum de alimentos, renunciar a guloseimas, a coisas, a pessoas. Mas há este jejum radical: a si mesmo. Enquanto não rompemos com este velho usurpador do castelo interior, tenaz e egoísta, aquele sujeito impertinente que se chama “EU”, não é possível avançar um passo na vida interior. Pode acontecer que eu me torne um homem muito religioso e penitente, mas ainda incapaz de colocar Jesus no Centro do Castelo Interior.

Mas quais os instrumentos desta vitória? Em primeiro lugar, a Palavra de Deus. A palavra de Deus é a alma da ascese cristã; ela faz cair coisas inúteis, corta as raízes do homem velho. É preciso amá-la ainda mais, acolhê-la com avidez, pois como dizia Santo Ambrósio: “A Palavra de Deus é a substância vital de nossa alma; ela a alimenta, a apascenta e a governa é não há outra coisa, fora da Palavra de Deus, que possa fazer viver a alma do homem” (Santo Ambrósio, Exp. Os 118, 11, 29). É preciso se deixar julgar livremente pela Palavra de Deus, evitando torná-la estéril aplicando-a logo aos outros. Somos os primeiros destinatários da palavra de Salvação. Queira Deus que não falte nos lares cristãos uma Bíblia, uma boa Bíblia católica com comentários e explicações.

Jejum de nossa parte e Palavra de Deus, eis o programa da Quaresma deste ano! Um programa austero, porém, não sombrio, mas antes belo e fascinante. A Quaresma não é um presente que nós fazemos a Deus, mas um presente (e que presente!) que Deus nos oferece. “Por isso quando jejuardes – nos adverte Jesus – não tomeis um ar triste” (Mt 6,16).

Quando ainda estavam no Egito, os hebreus pediam ao faraó: “Deixa meu povo partir para celebrar uma festa no deserto” (cf. Ex 5,1.3). A festa era a Páscoa. Também queremos ir ao deserto para celebrar a nossa libertação; no deserto há ainda as pegadas do Mestre; ele nos espera do outro lado do deserto para celebrar conosco a Páscoa de ressurreição.

A Virgem Maria que seguiu de perto o seu Divino Filho na Via Crucis, também nos acompanha no caminho quaresmal. E aqui nesta Catedral podemos também nos confiar á valente intercessão de Santa Rita de Cassia.

 

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