A MESA DA PALAVRA
Dom José Aparecido Gonçalves de Almeida
Solenidade de Todos os Santos
Itumbiara, 03 de novembro de 2024
“Alegrai-vos e exultai…”
Caros amigos,
“a Solenidade de Todos os Santos e a Comemoração de todos os fiéis defuntos dizem-nos que somente quem pode reconhecer uma grande esperança na morte, pode também levar uma vida a partir da esperança. Se nós reduzirmos o homem exclusivamente à sua dimensão horizontal, àquilo que se pode sentir de forma empírica, a própria vida perde o seu profundo sentido. O homem tem necessidade de eternidade, e para ele qualquer outra esperança é demasiado breve, é demasiado limitada. O homem só é explicável, se existir um Amor que supere todo o isolamento, também o da morte, numa totalidade que transcenda até o espaço e o tempo. O homem só é explicável, só encontra o seu sentido mais profundo, se Deus existir. E nós sabemos que Deus saiu do seu afastamento e fez-se próximo, entrou na nossa vida e diz-nos: «Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá. E todo aquele que vive e crê em mim, jamais morrerá» (Jo 11, 25-26)” (Bento XVI, Audiência geral, 2-XI-2011).
I. “Vós nos concedeis venerar os méritos de todos os vossos santos em uma só celebração”.
“O homem tem em si uma sede de infinito, uma saudade de eternidade, uma busca de beleza, um desejo de amor, uma necessidade de luz e de verdade, que o impelem rumo ao Absoluto; o homem tem em si o desejo de Deus. E o homem sabe, de qualquer modo, que pode dirigir-se a Deus, sabe que lhe pode rezar” (Bento XVI, Audiência geral, 3-V-2011). Esta sede de infinito suscita em nós a confiante esperança na vida eterna.
O mês de novembro, a Igreja o consagra cada ano à virtude da esperança que não decepciona. Nesse tempo saboreamos a comunhão dos santos, experimentamos a força do vínculo que nos une indissoluvelmente a Deus e aos irmãos como uma família espiritual. Esta nossa família espiritual, a Igreja nos ensina que somos todos chamados à santidade e ao apostolado, à evangelização, e nos faz louvar o seu Senhor por nos dar a Sua amizade, a Sua graça. Uma multidão de irmãos que já partiram desta vida teve a sua fidelidade a Deus oficialmente
reconhecida pela Igreja mediante a canonização. Mas é muito mais numerosa a multidão dos santos pelos quais, no início deste mês, nós louvamos a Deus e de cuja intercessão nos valemos no nosso peregrinar terrenal.
Outros irmãos, que já partiram desta vida, perdoados de todos os pecados, passam pela purificação que lhes permitirá ver Deus face-a-face. Esta purificação pode ser abreviada pelos nossos sufrágios e as imperfeições e relíquias do pecado apagadas pelo fogo do amor de Deus invocado sobre eles. Não apenas celebramos as saudades, nem apenas homenageamos os nossos irmãos defuntos. Nós rezamos por eles, oferecemos nossos sacrifícios e sufrágios, procuramos ganhar a graça da indulgência que lhes dá refrigério. E se já se encontram ante a face de Deus, o fruto de nossas orações será conforto para outras almas necessitadas de sufrágios.
Pudemos fazer uma devota visita ao cemitério no Dia de Finados. A mim também me consola visitar o túmulo de alguns de nossos bispos sepultados nesta Catedral: Dom Velloso, Dom António Lino, Dom Fernando. Nas orações elevadas a Deus pelos nossos caros falecidos, pedimos que o Senhor nos console, na certeza de que desfeita a nossa morada terrestre, está preparada para nós uma mansão celeste.
II. “A multidão imensa de gente de todas as nações, tribos, povos e línguas”
Contudo, irmãos, ontem à tarde, após o pôr do sol começamos o domingo com as missas em honra de todos os santos. A Coleta da Solenidade de Todos os Santos contém elementos litúrgicos que refletem a tradição da Igreja na veneração dos santos, e suas fontes podem ser identificadas em antigos sacramentários e em princípios teológicos da comunhão dos santos, desenvolvidos ao longo dos séculos. Quem já teve ocasião de visitar em Roma as catacumbas, pode testemunhar como os primeiros cristãos veneravam a memória dos mártires e dos confessores da fé.
Aquela multidão dos santos do antigo e do novo testamento simbolizadas no número 144.000 do livro do apocalipse, nos revela o nosso destino eterno: o grande Banquete do Cordeiro, quando o Senhor vier em sua glória para julgar os vivos e os mortos. É a multidão dos santos da qual participaremos se ouvirmos o Senhor que quer que nos convertamos e cheguemos ao conhecimento da verdade. É de santidade que falamos. A palavra pode parecer um pouco desgastada por uma certa banalização do seu uso, mas significa muito para as multidões de batizados espalhados pelo mundo inteiro.
Inicialmente, a tradição bíblica reservou o título de “Santo” somente a Deus. Mas em toda a história de Israel, Javé gosta de ser chamado o Santo de Israel “Porque eu sou o Senhor teu
Deus, o Santo de Israel, o teu Salvador” (Is 43,3). A santidade de Deus suscita um santo temor. Contudo, o Seu desígnio de salvação ao eleger Israel comportou o sonho de comunicar a Sua santidade ao povo, o qual se torna um povo santo, diferente de todos os povos, porque caminha na Sua presença.
No Novo Testamento as promessas messiânicas se cumprem. Pelo mistério da redenção e a comunicação do Espírito Santo, os discípulos passam a ser chamados “santos”, tal era a convicção de que a graça comunicada no batismo é a semente de santidade a que todos os povos são chamados.
A primeira Leitura (Ap 7,2-4.9-14) nos apresenta “a multidão imensa de gente de todas as nações, tribos, povos e línguas, e que ninguém podia contar”. O sinal na fronte e as vestes cândidas são uma clara alusão ao batismo pelo qual Deus imprime em nós a marca da Sua santidade, o selo de que pertencemos a Cristo.
O apocalipse é a grande liturgia celeste em que o Banquete do Cordeiro reúne as multidões angélicas e os redimidos no cântico de louvor àquele que nos resgatou pelo Sangue derramado na Cruz. É a Pascoa eterna da qual todos nós somos chamados a participar.
A Solenidade de Todos os Santos é festa de misericórdia, é festa da aliança nova e eterna.
III. “Vede que grande presente de amor o Pai nos deu: de sermos chamados filhos de Deus!”
Na segunda Leitura o Apóstolo do amor nos ajuda a compreender que a santidade comunicada pela graça de Deus se traduz em termos de filiação: Deus nos quis filhos Seus: “Vede que grande presente de amor o Pai nos deu: de sermos chamados filhos de Deus!”. E completa radiante: “E nós o somos!” (I Jo 3,1). E vibra ainda mais ao falar da visão beatífica do rosto de Jesus: “seremos semelhantes a Ele porque o veremos como Ele é” (v.2). Trata-se da glória comunicada pelo fulgor infinito da Trindade Beatíssima.
A santidade humana nada mais é do que a maturação da graça concedida no batismo. A graça da filiação divina que nos foi dada ao recebermos no Batismo o Espírito de Adoção é o selo de autenticidade de todas as formas de espiritualidade cristã. Já não somos servos, mas os amigos de Jesus, como Ele mesmo disse: “Já não vos chamo servos mas os meus amigos”.
A Igreja sempre atribuiu grande importância ao impulso interior de louvar a Deus pelas maravilhas que Ele mesmo realiza nos seus santos. A santidade de Deus resplandece nos seus santos. Não sem razão dizia Agostinho nas Confissões: “Recebemos por isso nesta peregrinação o penhor de sermos já luz (nesta vida), ao sermos salvos pela esperança. De filhos da noite que dantes éramos, tornámo-nos filhos da luz e do dia” (Lib XIII, 14)
Os santos que a Igreja festeja hoje – não só os canonizados – são aqueles que procuram “com o auxilio de Deus, manter e aperfeiçoar, durante a vida, a santidade recebida no batismo” (Lumen gentium, 40). Para alcançar a glória, todos passam pela grande tribulação, passam pelo mistério redentor da Cruz, associando-se à Paixão Redentora de Jesus Cristo, nosso Senhor.
IV. “«Alegrai-vos e exultai » (Mt 5, 12),
No Evangelho de São Mateus, o próprio Jesus fala do céu que deve começar na terra: as Bem-Aventuranças. A santidade já não é vista como no Antigo Testamento como a separação, a absoluta alteridade… é a partir da vida comum, das circunstâncias concretas da vida presente, especialmente as árduas e dolorosas – como a perseguição por causa da fé – que vêm a ser remidas. A vida no céu nada mais é que a plenitude da visão beatífica: a bem-aventurança ou alegria eterna de ver Deus face-a-face.
O Papa Francisco meditando sobre a santidade nos dias de hoje, parte da meditação das Bem-Aventuranças para nos fazer desejar ardentemente o caminho da Jerusalém Celeste. A partir da última Bem-Aventurança ele partilha conosco as seguintes reflexões: “«Alegrai-vos e exultai » (Mt 5, 12), diz Jesus a quantos são perseguidos ou humilhados por causa d’Ele. O Senhor pede tudo e, em troca, oferece a vida verdadeira, a felicidade para a qual fomos criados. Quer-nos santos e espera que não nos resignemos com uma vida medíocre, superficial e indecisa” (Gaudete et exsultate, n.1).
Poderíamos continuar a ouvir longamente o Santo Padre, pois é muito estimulante e consolador comentário que, a partir do n. 63 da Gaudete et exsultate, após falar dos obstáculos à santidade, o Santo Padre faz das Bem-Aventuranças. Recomendo muito vivamente a leitura deste texto do Santo Padre, se possível lentamente e em oração. Vai nos ajudar muito no caminho de nossa vida em busca da santidade.
Irmãos caríssimos, o louvor que a Igreja hoje eleva à santidade de Deus manifestada na vida dos Seus santos, refulge sobremaneira na Virgem Maria e nos impele a participar dessa grande aventura do amor de Deus por nós. Não deixemos de volver o nosso olhar também à nossa Padroeira: Santa Rita de Cássia.
Deixemo-nos tocar pela bênção de Deus e louvemos hoje e sempre a grata memória de todos os santos.
Louvado seja nosso Senhor Jesus Cristo.