A MESA DA PALAVRA
Dom José Aparecido Gonçalves de Almeida
Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo
Itumbiara, 24 de novembro de 2024
“O meu reino não é deste mundo”
Caros amigos,
Hoje celebramos o último domingo do tempo comum, que nos aponta para o fim da história humana e para a vinda gloriosa de Cristo no último dia, cercado de esplendor e majestade. O que hoje vivemos de modo místico e espiritual há de manifestar-se de modo visível, para recapitular tudo no Senhor Jesus Cristo.
I. “Cantai ao Senhor um cântico novo”.
Hoje celebramos com suma alegria a Majestade de Nosso Senhor Jesus Cristo Rei do Universo.
Para homenagear o Soberano das nações, Príncipe da Paz, Rei do Universo, Senhor dos Senhores, houvemos por bem, antes da procissão de ingresso, abençoar o mais nobre dos instrumentos musicais: trata-se do órgão, que a liturgia católica ama com predileção, para o qual o gênio humano compôs e continua a compor pérolas musicais de inestimável valor. O órgão tem valor próprio. A sua música, por si só, enleva a alma. Mas quando ele se faz servo da arte canora para prestar culto a Deus, especialmente na liturgia eucarística, então ele resplandece nas nossas Igrejas e nos eleva do silêncio maravilhado à oração mais profunda.
O Rei dos Reis merece a justa homenagem que hoje se lhe presta. E a nossa comunidade da igreja Catedral de Santa Rita de Cássia de agora em diante vai sempre se elevar entre silêncio e canto, envolvida pelos sons das teclas do órgão hoje abençoado, vai se embevecer nos mais suaves louvores do Senhor em que as vozes se misturam com os sons do instrumento em suave harmonia.
Há, porém, um perigo para o qual nos alerta Santo Agostinho: que ao ouvirmos a música litúrgica busquemos mais o nosso prazer sensível do que a alegria de agradar ao Senhor. Se os louvores do Senhor forem para nós motivo de alegria, não tenhamos medo do perigo. Digamos então como o salmista: “Bendize, ó minha alma, ao Senhor, e tudo o que há em mim bendiga ao seu santo nome!” (Sl 103,1). Estai certos de que o Senhor se alegrará com a nossa alegria, e a alegria de louvar com arte inundará a nossa assembleia litúrgica.
II. “Eu sou o Alfa e o Ômega” (Ap 1,8)
A Liturgia de hoje é de recente instituição na Igreja, embora o título de Rei do Universo, a Igreja sempre o tenha reconhecido a Jesus, descendente da estirpe de Davi. A Ele os cristãos sempre atribuíram o título reservado aos Césares: Kyrios. Assim nos dirigimos a ele para pedir perdão e intercessão: Kyrie, eleison. Por atribuir este título a Jesus, os cristãos foram acusados de crime de lesa-majestade, sobretudo nos tempos de perseguição acirrada no Império Romano.
O Papa Pio XI, ao instituir a festa de Cristo Rei em 1925, com a Encíclica Quas primas, quis proclamar solenemente a realeza, o senhorio de nosso Senhor Jesus Cristo sobre o mundo, sobre a história. Este senhorio do Senhor se estende a todas as pessoas, às famílias e às cidades, aos povos e às nações, enfim sobre todo o universo. Esta solenidade, na sua beleza e simplicidade, nos ajuda a reconhecer no Senhor Jesus Cristo o alfa e o ômega, o princípio e o fim de todas as coisas, evitando duas tentações nas relações com as autoridades seculares.
A proclamação da realeza de Cristo sobre a sociedade em que vivemos como cidadãos iguais aos outros, sem prejuízo de reconhecermos o valor da genuína laicidade do estado moderno, é um remédio que se põe de um lado aos efeitos nefastos do laicismo jacobino que pretende organizar a vida social como se Deus não existisse. Por outro lado, a correta compreensão da realeza de Cristo segundo os evangelhos também nos ajuda a superar a oposta tentação, presente em alguns ambientes eclesiásticos, de um clericalismo decrépito, suscitado pela nostalgia de uma supremacia espiritual que jamais se verificou plenamente, nem em tempos de cristandade.
Organizar a vida social sem reconhecer na natureza humana o anelo pela transcendência e o desejo de resposta para questões fundamentais da existência, tem levado ao aviltamento da dignidade humana, a muitas formas de pobreza, de escravidão, de corrupção e de abuso de poder de um homem sobre outro, de um povo sobre outro. O reino de Deus apregoado por Jesus não se refere apenas à eternidade, começa na história, oferecendo remédio para os males presentes nas relações dos homens com a criação, dos homens entre si, bem como entre a humanidade e o Criador.
É sempre proveitoso retomar os ensinamentos do Concilio Vaticano II dirigido aos cristãos e aos homens de boa vontade: “De fato, o Verbo de Deus, pelo qual todas as coisas foram feitas, se encarnou, de tal modo que, como homem perfeito, salvasse todos os homens e recapitulasse todas as coisas. O Senhor é o fim da história humana, ‘o ponto para onde convergem todas as aspirações da história e da civilização’, centro da humanidade, alegria de todos os corações e a plenitude de todos os seus desejos. A ele é que o Pai ressuscitou dos mortos, exaltou e colocou à sua direita, constituindo-o juiz dos vivos e dos mortos. Vivificados e congregados no seu Espírito, caminhamos para a consumação da história humana, a qual corresponde plenamente ao seu desígnio de amor: «recapitular todas as coisas em Cristo, tanto as do céu como as da terra» (Ef. 1,10). O próprio Senhor o diz: «Eis que venho em breve, trazendo comigo a minha recompensa, para dar a cada um segundo as suas obras. Eu sou o alfa e o ômega, o primeiro e o último, o começo e o fim» (Apoc. 22,12-13)” (GS 45).
III. “Tu és o rei dos Judeus?” (Jo 18,33b)
A pergunta de Pilatos parece sarcasmo diante de um prisioneiro maltrapilho e prestes a ser condenado, nem se sabe por qual justa razão. Pilatos só se preocupava com razões de estado. Os sacerdotes com as razões de poder religioso. Mas justamente ali se manifesta a realeza profunda do Senhor.
Sim, dizíamos há pouco, para Ele convergem todas as aspirações da história e da humanidade. À inteligência humana – cintila da divina sabedoria – que almeja o conhecimento de toda verdade, Jesus fala: “Tu o dizes: eu sou rei. Eu nasci e vim ao mundo para isto: para dar testemunho da verdade” (Jo 18,37). E mais: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vem ao Pai senão por mim” (Jo 14,6).
Ao coração humano ardente de desejo de um amor eterno, que arda para além de todos os amores, Jesus diz: “Em verdade vos digo: ninguém há que tenha deixado casa ou irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe, ou filhos, ou terras por causa de mim e por causa do Evangelho, que não receba, já neste século, cem vezes mais casas, irmãos, irmãs, mães, filhos e terras, com perseguições – e no século vindouro a vida eterna” (Mc 10,29-30).
Também à alma sedenta de imortalidade, mas carente de esperança, o Senhor tem algo a dizer: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem que crê em mim, ainda que morra, viverá; e quem vive e crê em mim jamais morrerá” (Jo 11,25-26).
E finalmente para o consolo dos homens que padecem o flagelo da opressão, de toda forma de privação de liberdade e de escravidão, nós proclamamos Cristo Rei do Universo, Senhor dos tempos e dos homens, sob cujo senhorio e majestade a criatura humana encontra a verdadeira liberdade. Cristo é, no sentido mais radical, o Libertador do homem. “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará!” (Jo 8,32).
Ao declarar diante de Pilatos que o Seu reino não é deste mundo (cf Jo 18,36), o Senhor Jesus não se esquiva do compromisso histórico, mas rejeita as estratégias de poder, tomando a misericórdia e o serviço humilde aos irmãos como caminho para edificar a civilização do amor. Reivindica a realeza oferecendo a Sua vida em resgate por muitos.
Na primeira leitura, Daniel apresenta um hino de louvor à majestade divina, que será citada pelo Apocalipse em relação ao Ressuscitado: “Foram-lhe dados poder, glória e realeza, e todos os povos, nações e línguas o serviam: seu poder é um poder eterno, que não lhe será tirado, e seu reino, um reino que não se dissolverá” (Dn 7,14). Na Revelação, no Apocalipse, o Senhor Deus diz a João e a nós: “Eu sou o Alfa e o Ômega, aquele que é, que era e que vem, o Todo-Poderoso” (Ap 1,8).
A sua realeza não consiste em honrarias exteriores e aparências, mas precisamente na “justiça, paz e alegria no Espírito Santo” (Rm 14,17). Esta realeza, vemo-la descrita na parábola do juízo final (cf Mt 25,31-46), assim resumida por São João da Cruz: “No ocaso da vida seremos julgados quanto ao amor” (cf Dichos de Luz y Amor, n. 64). O critério para decidir sobre a nossa participação na vida eterna é precisamente este: “o que fizestes a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizestes” (Mt 25,40).
“Se pomos em prática o amor ao nosso próximo, segundo a mensagem evangélica, então abrimos espaço para o Senhorio de Deus, e o Seu Reino se realiza entre nós” (Bento XVI) e nos tornamos todos irmãos conforme o ardente convite feito pelo Papa Francisco na sua encíclica “Fratelli tutti”.
Irmãos, que o dia dedicado no Brasil ao sacerdócio régio dos leigos nos ajude a viver nossa vocação batismal em todos os ambientes onde nos encontrarmos, como o fizeram São José e a Virgem Maria, como o fez nossa santa Padroeira, Santa Rita de Cássia.
Louvado seja nosso Senhor e Rei Jesus Cristo.