InícioArtigosA mesa da Palavra – 25° Domingo do Tempo Comum – Ano...

A mesa da Palavra – 25° Domingo do Tempo Comum – Ano B

Autor

Data

Categoria

A MESA DA PALAVRA
Dom José Aparecido Gonçalves de Almeida
XXV DOMINGO DO TEMPO COMUM
22 de setembro de 2024

Se alguém quiser ser o primeiro, que seja o último” (Mc 9,35)

Caríssimos amigos,

I. “Ó Deus, (…) resumistes toda a sagrada lei no amor a vós e ao próximo…” (Coleta)

Nesta Igreja Catedral, dedicada a Deus em honra de Santa Rita de Cássia, a Igreja reúne seus filhos para rezar, ouvir a Palavra de Deus e se alimentar do Pão da Vida no caminho que nos leva ao Céu. Mediante a poderosa intercessão de nossa Santa Padroeira, elevamos a Deus nossas preces para merecermos entrar na plenitude da comunhão dos santos na vida eterna. Sem a fé que nos leva à caridade e à oração sincera, é impossível agradar a Deus e viver na esperança. “Ó Deus, que resumistes toda a sagrada lei no amor a vós e ao próximo, concedei-nos que, observando os vossos mandamentos, mereçamos chegar à vida eterna” (Oração Coleta XXV Domingo).

Na coleta, cuja parte inicial é extraída do Sacramentário Leoniano (n. 493), nós louvamos o bom Deus por colocar no amor a Ele e ao próximo o fundamento e o compêndio de toda a sua santa lei. Na segunda parte, proveniente do Missal Hispano-Moçárabe (n. 1064), suplicamos ao Bom Deus que nós, pela observância dos seus mandamentos, mereçamos entrar na vida eterna. Somos conscientes de que, pela fragilidade consequente ao pecado original, a plena observância da santa lei de Deus é impossível sem o auxílio da graça.

A Eucaristia é efetivamente adoração ao Deus por nós reconhecido como “único Senhor”, no desapego, na rejeição de tudo aquilo que pretendesse substitui-lo. Nessa adoração em espírito e verdade se requer especialmente o desapego à cupidez pelas riquezas. Trata-se de uma adoração realizada com amor filial, nunca com temor servil.

Sem fé não é possível agradar a Deus. Sem amor não se pode celebrar com fruto a Eucaristia. Este amor, quando verdadeiro, se dilata, torna-se ativo e criativo. Mais ainda, nos impele especialmente a realizar, não a grandeza de quem se impõe com soberba e altivez, mas com a grandeza de quem serve.

Esta oração coleta tem como fonte bíblica o Evangelho de Mateus, 22,37-40, onde Jesus nos dá o mandato novo como o maior dos mandamentos. De sorte que o amor ao próximo não é apenas filantropia, mas um ato de culto a Deus sumamente bom e digno de ser amado sobre todas as coisas. “O amor é a plenitude da lei” (Rm 13,8).

O Novo Testamento expande o sentido do próximo. A regra de ouro era bem conhecida dos hebreus. Mas é preciso lembrarmo-nos que, no Antigo Testamento, o amor ao próximo se referia aos compatriotas (israelitas) e estrangeiros (adventícios) que porventura convivessem com eles em sua terra (Lv 19,18.34). Mas o preceito inclui que no trabalho se cuide da natureza criada (v. 23). No N.T, qualquer pessoa, onde quer que esteja, seja quem for, ainda que um declarado inimigo (como o samaritano em relação aos judeus), este é o meu próximo.

O Cristão é filho da luz e é chamado a viver decentemente, longe dos vícios. O Apóstolo Paulo nos lembra que os tempos em que vivemos nos colocam diante das exigências da moral paulina, que é claramente escatológica. Estamos nos “últimos dias”, iniciados com a morte e ressurreição de Jesus e extensivos aos tempos da Igreja Militante, ao tempo da salvação. Somos filhos da luz, chamados a viver decentemente, longe dos vícios, a viver uma vida segundo o Espírito. O convite a viver uma vida segundo o Espírito se confunde com a nossa vocação cristã e se compendia numa só palavra: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Gl 5,14).

 

II. “Armemos ciladas aos justos…” (Sb 2,12).

Muitos de nós já experimentaram a contestação do nosso modo de viver segundo o Evangelho e se sentiram desafiados a confiar na proteção de Deus “se é que ele existe” ou “se verdadeira a nossa fé”. Às vezes nós próprios nos sentimos tentados a desafiar Deus a agir conforme os nossos interesses, como se Deus fosse obrigado a nos sustentar na nossa falta de sensatez: “Se Deus é bom ele vai me socorrer”. Ou ainda na atitude de abuso da misericórdia divina: “vou viver como me apraz e Deus não vai me condenar”.

O livro da Sabedoria, no trecho hoje proclamado, nos coloca diante dos dois caminhos aqui descritos a partir da dureza da perseguição do justo. “Os ímpios dizem: ‘Armemos ciladas ao justo, porque sua presença nos incomoda: ele se opõe ao nosso modo de agir, repreende em nós as nossas transgressões da Lei e nos reprova as faltas contra a nossa disciplina?” (2,12). Não se parece esta palavra daqueles discursos nos conciliábulos da corte de Herodes contra João Batista. Mais ainda, porventura não se assemelham essas palavras uma predição das tramoias do Sinédrio contra Jesus? O que o sábio do Antigo Testamento identifica como conduta dos ímpios, aparece claramente na atitude do Sinédrio: a presença de Jesus os incomoda; Jesus se opõe à conduta dos saduceus e escribas, repreende as transgressões da Lei. E finalmente Jesus reprova nos fariseus as faltas contra a disciplina tão rigorosamente pregada por eles. Com efeito, os escribas e os fariseus, com a consciência embotada e a vontade pervertida, “atam fardos pesados e os colocam sobre os ombros dos homens, mas eles mesmos não estão dispostos a levantar um só dedo para movê‑los” (Mt 23,4).

Depois, continua o autor sagrado, planejam armadilhas contra Ele para pô-lo à prova: “Vejamos, pois, se é verdade o que ele diz e comprovemos o que vai acontecer com Ele” (Sb 2,17). Aplicam aos homens incômodos os ordálios, aqueles rituais nefastos usados na antiguidade para que os deuses se manifestassem sobre a culpa ou a inocência de algum acusado, aqui são maliciosamente usados pelos ímpios para obter fácil condenação dos que os incomodam. Os ordálios muito se de formas sacrílegas de tentar a Deus, contrária ao mandamento de não tomar o Santo Nome de Deus em vão. O Senhor não se obriga a nos livrar da nossa insensatez, nem inocenta o injusto por um ritual sacrílego como este.

Se, de fato, o justo é ‘filho de Deus’, Deus o defenderá e o livrará dos seus inimigos. Vamos pô-lo à prova com ofensas e torturas, para ver a sua serenidade e provar a sua paciência; vamos condená-lo à morte vergonhosa, porque, de acordo com as suas palavras, virá alguém em seu socorro” (Sb 2,18). Como não reconhecer aqui os acontecimentos da paixão e a atitude blasfema das autoridades do tempo de Jesus? Descreve bem a atitude dos inimigos em relação a Jesus. E ele dá provas de sua paciência, de sua confiança em Deus mesmo ao dizer: “Eloí, Eloí. Lama Sabachtani”, no momento do supremo abandono de Si pela salvação do mundo.

Na sequência, com o salmista, a Igreja proclama toda a sua confiança em Deus e invoca a sua proteção sobre os membros do corpo de Cristo. Eles continuam a ser postos à prova até que Cristo venha. “Contra mim os orgulhosos se insurgem e violentos perseguem-me a vida: não há lugar para Deus a seus olhos. Quem me protege e me ampara é o meu Deus, é o Senhor que sustenta a minha vida” (Sl 53,5-6). Ainda que permita o nosso sofrimento na perseguição, como aos antigos mártires, nos dá também a nós a força para ofertar-lhe o nosso sacrifício, ainda que seja a efusão do sangue.

Quanto mais não nos dará a força para sustentar o combate quotidiano, as pequenas contradições da vida diária, Aquele que é a força dos mártires.

 

III. “O fruto da justiça é semeado na paz, para aqueles que promovem a paz” (Tg 3,18).

O apóstolo São Tiago nos ajuda descobrir os critérios para distinguir a verdadeira sabedoria da falsa. Ele começa por apresentar-nos os sintomas de uma comunidade doente, com membros espiritualmente enfermos. “Onde há inveja e rivalidade, aí estão as desordens e toda espécie de obras más” (Tg 3,16). Aqui aparecem os sintomas da fé vacilante. A fé por si só não salva. Com efeito, em outra parte de sua carta, São Tiago, ao exortar o leitor a considerar que a fé que não opera pela caridade não traz salvação, assim se expressa: “Crês que há um só Deus. Fazes bem. Também os demônios creem e tremem” (Tg 2,19). Aqui fica clara a necessidade da conexão entre a fé e o agir humano, entre a fé e as obras provenientes do amor. Ele diz ainda: “A sabedoria que vem do alto é, antes de tudo, pura, depois pacífica, indulgente, conciliadora, cheia de misericórdia e de bons frutos, isenta de parcialidade e de hipocrisia” (Tg 3,17). Esta frase de Tiago aproxima-se muito da descrição do amor no hino paulino à caridade (cf I Cor 13). E vai além desafiando os fautores da fé sem obras, dizendo: “Mostra-me a tua fé sem obras e eu te mostrarei a minha fé pelas obras” (Tg 2,18).

Certamente sem fé não há salvação (cf Mc 16,16). Contudo a fé necessária para a salvação é, também no dizer de São Paulo, “a fé que opera pela caridade” (Gl 5,6).

O apóstolo prossegue mostrando que as causas das guerras entre os homens e das dissensões entre os fiéis não são extrínsecas ao coração humano. As guerras vêm justamente das paixões que estão em conflito dentro de nós. Chegamos a matar pela nossa cobiça. Diz o apóstolo: “Desejais e não tendes, cobiçais e invejais, e não conseguis alcançar, combateis e fazeis guerras” (Tg 3, 2).

E a razão de tudo isso é interior. Não sabemos rezar, não sabemos pedir. A nossa oração, por ser vazia, permanece desatendida. As nossas orações não são atendidas porque pedimos de maneira equivocada até mesmo as coisas em si boa.

IV. “O Filho do homem vai ser entregue” (Mc 9,31)

O evangelista Marcos, ao chegar o capítulo oitavo da sua narração, mostra que a confissão de Pedro é o ponto de inflexão do ministério público do Senhor. Domingo passado víamos Jesus perguntar aos discípulos: “Quem dizem os homens que eu sou” (Mc 8,27). Deram várias respostas mais ou menos acertadas. Não se tratava de uma pesquisa de opinião, mas de criar o ambiente para fazer a sua pergunta fundamental para eles e para nós: “E vós, quem dizeis que eu sou?” (Mc 8,30). Pedro toma a frente e responde confessando por inspiração do alto que Jesus é o Messias. Mas esta resposta correta ainda despertava uma questão. Que tipo de messias esperava Pedro? Que tipo de messias esperavam os discípulos? Jesus agora começa a anunciar a morte e ressurreição e a revelar assim que seu messianismo era o que o identificava com o Servo Sofredor.

Agora, caminhando pelas estradas da Galileia, depois da Transfiguração, Jesus conversa com os discípulos. Quer orientá-los. E pela segunda vez anuncia a sua Paixão e Morte: “O Filho do Homem vai ser entregue nas mãos dos homens, e eles o matarão. Mas, três dias após a sua morte, ele ressuscitará” (Mc 9,31). Os discípulos, porém, ainda não compreendiam estas palavras. Eles haviam escutado bem o anúncio da morte, mas pareciam não ter entendido que Jesus anunciava também a ressurreição ao terceiro dia. E não compreendiam que esta entrega do Senhor era um serviço de salvação. Tinham medo de perguntar sobre o escândalo que lhes causava o anúncio da morte de quem consideravam o Messias… mas não se envergonhavam de discutir entre si quem era o maior. Afinal esperavam um messias glorioso, não obstante os sinais contrários que Jesus lhes dava.

Entrando em Cafarnaum, provavelmente na casa de Pedro, Jesus lhes pergunta sobre o que discutiam. Eles ficam envergonhados. Jesus sentou-se, significando que ia ensinar. Chamou os Doze, que iria constituir como colunas do novo Povo de Deus, e passou a lhes ensinar como deviam estar à frente da Igreja: “Se alguém quiser ser o primeiro, que seja o último de todos e aquele que serve a todos!” (Mc 9,35). E para que entendessem bem com que espírito viveriam na família eclesial, colocou o modelo da criança como sinal do acolhimento dele mesmo e de Seu Pai.

Ao final deste episódio é preciso ressaltar que Jesus deixou uma doutrina nova, já pregada em outras ocasiões: os cristãos devemos reconhecê-lo no necessitado, ou seja, em uma criança que nada pode por si mesma, ou no discípulo que se desprender de tudo para segui-lo. É tal a novidade desta doutrina, que sustenta a doutrina social da Igreja e nos ensina a ser adoradores em espírito e verdade.

            Cheios da esperança que não decepciona, coloquemo-nos nas mãos amorosas do Senhor, que resumiu toda a sagrada lei no amor a Deus e ao próximo. Assim, saboreando com o auxílio da graça a beleza da lei nova da perfeita caridade para alcançaremos a bem-aventurança eterna no céu.

            A Virgem Mãe nos auxilie no nosso peregrinar a pregustar as alegrias celestes na nossa vida corrente.

Diocese de Itumbiara
Diocese de Itumbiarahttps://diocesedeitumbiara.com.br/
A Diocese de Itumbiara foi criada no dia 11 de outubro de 1966, pelo Papa Paulo VI, desmembrada da Arquidiocese de Goiânia; seu território é de 21.208,9 km², população de 286.148 habitantes (IBGE 2010). A diocese conta 26 paróquias, com sede episcopal na cidade de Itumbiara-GO.

Últimas notícias