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A Mesa da Palavra – IV Domingo da Quaresma – Ano B

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A MESA DA PALAVRA
Dom José Aparecido Gonçalves de Almeida
IV Domingo da Quaresma – B 
10 de março de 2024

 

Caros amigos,

I. “Laetare. Alegrai-te Jerusalém! Reuni-vos, vós todos os que a amais; vós que estais tristes, exultai de alegria!” (Is 66, 10-11).

O Intróito deste quarto domingo da quaresma começa, extraído dos oráculos escatológicos do profeta Isaias (66,10-11), que consolam o povo regressado do Exílio da Babilônia com a promessa da felicidade em Jerusalém reconstruída. Começa precisamente com o verbo Laetare, no imperativo. Alegrai-vos. O tempo de penitência que estamos transcorrendo não deixa de ser um convite à felicidade e à consolação. Nossa terra, a terra para a qual somos convidados a voltar e nela exultar é o coração de Deus. Alegrai-vos.

O convite à alegria presente em toda a nossa liturgia encontra eco no nosso esforço quaresmal por abandonar as obras do homem velho e abraçar as boas obras que o Senhor preparou ao nos comunicar a graça da salvação, que acolhemos pela fé, como nos ensina o Apóstolo na segunda leitura.

Logo após o ato penitencial, como de costume, rezei em nome da Igreja a oração chamada coleta. É uma oração fundamentalmente parcialmente de uma coleta do Sacramentário Gelasiano (n. 178). Esta coleta foi levada a outros sacramentários posteriores.

A primeira parte é, pois, muito antiga; remonta provavelmente ao século V, sendo porem documentada no Sec VIII: “Ó Deus, que por vossa Palavra realizais de modo admirável a reconciliação do gênero humano, concedei…” esta parte da oração permanece na atual edição do Missal Romano. Nela nós temos a invocação (Ó Deus) e, em seguida, a memória laudativa (que por vossa Palavra … gênero humano). A terceira parte da oração, a súplica propriamente dita, é nova. O antigo texto “concedei que com santo jejum vos sejamos submissos de todo o nosso coração, e que sejamos mais perfeitamente unidos no vosso coração” foi substituído por “concedei que o povo cristão com pronta devoção e fé ardente possa correr pressuroso ao encontro das festas que se aproximam”. Trata-se de uma súplica que frisa mais o desejo da comunidade orante, cheia de fervor e exultante de alegria, se apresse a celebrar as alegrias pascais. É a reconciliação da família humana realizada pelo Verbo encarnado que nos faz ouvir o convite da Igreja: Laetare. Alegrai-vos!

A fonte mais provável desta oração, caros irmãos, é um sermão quaresmal de São Leão Magno, Papa e Doutor da Igreja, no qual ele nos exorta a procurar a bem-aventurança mediante as penitências quaresmais. Assim diz o Santo Pontífice: “Caríssimos, fomos ensinados pelo magistério do nosso Redentor que ‘Não só de pão vive o homem, mas de toda palavra (que sai da boca de Deus)’ (Matth. IV, 4; Deut. VIII, 3)), e que convém ao povo cristão, em qualquer grau de abstinência que seja estabelecido, desejar alimentar-se mais da palavra de Deus que do alimento corporal. Abracemos, pois, este solene jejum com redobrada devoção e com fé muito atenta, celebrando-o não como dieta estéril, como o exigem frequentemente a fraqueza do corpo e a doença da avareza, mas com grande generosidade; estejamos, pois, entre aqueles a respeito dos quais a própria Verdade afirma: ‘Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados’ (Math. V, 6). Que nossas delicias sejam, portanto, as obras de piedade, e que sejamos saciados com aqueles alimentos que nos nutrem para a eternidade” (S. Leão Magno, Sermo de Quadragesima II 4, PL 54, 270 a). Não é difícil reconhecer na parte central deste trecho do sermão a fonte inspiradora e a substância da súplica da coleta atual. Neste ano que o Santo Padre nos convida a consagrar à oração em preparação do Ano Santo de 2025, peçamos instantemente a “redobrada devoção e a fé muito atenta” para colher frutos de redenção e de alegria pascal.

II. “Quem dentre vós pertence ao seu povo? Que o Senhor, seu Deus, esteja com ele” (2Cr. 36, 23)

Na primeira leitura de hoje, caros amigos, mais uma vez se manifesta a imensidão da misericórdia do Deus da Aliança. O livro das Crônicas, também chamado Paralipômenos, recolhe coisas omitidas nos livros dos Reis e apresenta uma leitura da história em forma de meditação sobre a ação providente de Deus. O texto recolhido na primeira leitura da liturgia hodierna nos permite apreciar o significado dos acontecimentos dramáticos do Exílio na Babilônia. Deus parece castigar e abandonar seu povo nas mãos de Nabucodonosor. Após setenta anos de desterro,  paradoxalmente o rei persa Ciro atua em favor dos exilados. Mas volvamos o olhar sobre os fatos e o seu significado.
Jerusalém desmorona nas mãos dos babilônios e o povo é deportado em escravidão por causa da infidelidade e da rebelião. Deus não deixa de admoestar, de enviar mensageiros de fazer ouvir sua palavra, porque Ele ama o seu povo. No entanto, o homem tem um poder quase incompreensível e trágico de rebelar-se contra Deus e de lhe dizer como o antigo tentador: “Non serviam – Não servirei” (Jr 2,20). É o drama, o mistério do pecado. Nasce da liberdade do homem que se exalta a si mesmo e se ilude de ser livre justamente quando faz a escolha pecaminosa e antitética a Deus. “Todos os chefes de Judá, seus sacerdotes e o povo multiplicaram as suas infidelidades, imitando as abominações dos outros povos” (2Cr 36,14), eis porque Jerusalém cai nas mãos dos inimigos e o Templo é arrasado, queimado e o povo deportado. Judá volta as costas para Deus e um Rei pagão se torna causa segunda, instrumento do “castigo”. Deus, para corrigir o seu povo, consente que o povo sofra as consequências da infidelidade, da idolatria. Mas o Deus da Aliança não abandona o seu povo. Ele não volta as costas para o pecador. Apenas aguarda um clamor. Passado o tempo da purificação (70 anos), a infinita misericórdia de Deus suscita um rei pagão, Ciro, encarregado de reconstruir o templo em Jerusalém, de devolver os vasos sagrados ao culto e reconduzir os exilados para a terra que o Senhor lhes havia dado. Ciro é então visto como um Ungido de Deus (cf. Is 45).

Sempre, também para nós, o pecado acontece deste modo. Também nós, sacerdotes e fiéis de hoje, podemos abandonar a Deus ficar degredados nas “terras” da opressão, do pecado e da morte. Mas a bondade de Deus prevalece sempre sobre a infidelidade do homem: a misericórdia de Deus não é calculada nem condicionada. Ao exílio e à purificação – como aconteceu com o filho pródigo – segue a libertação: o povo volta à casa de Deus e se reveste da liberdade dos escolhidos. Segue uma nova páscoa. Também hoje a Páscoa é libertação para nós pois o sangue de Cristo nos resgatou.

III. “Deus rico em misericórdia” (Ef 2,4)

Se somos salvos é somente pela graça de Deus. Não temos algum mérito. É tudo “dom de Deus”, no-lo recorda São Paulo. Justamente porque Deus é rico em misericórdia, “pelo grande amor com que nos amou”, Ele nos inseriu na vida de Cristo, nos introduziu na comunhão com a sua ressurreição. Aquele que se tornou homem como nós, em tudo menos no pecado, também nos tornou participantes da natureza divina, graça a que temos acesso pelo Batismo e pela adesão de fé anúncio ao Evangelho. São Paulo chega a nos dizer que o Pai “nos ressuscitou com Cristo e nos fez sentar nos céus, em virtude de nossa união com Jesus Cristo”.

Podemos dizer que os mistérios de Cristo nos envolvem: desde já somos deles participantes. Somos intimamente tocados por Eles, pois os sacramentos da nossa vida cristã nada mais são do que uma comunhão com a morte, a ressurreição, a ascensão do Senhor. Pela fé já possuímos antecipadamente a vida ressuscitada, já participamos do banquete celeste.

Tudo é graça. A salvação nos é dada pela graça mediante a fé. Contudo não se trata da “sola gratia” ou da “sola fide”. Tudo é dom de Deus, para não nos orgulharmos, mas somos chamados a acolher a salvação porque fomos Criados em Cristo Jesus para as obras boas, que Deus preparou de antemão para que nós as praticássemos” (Ef 2,10). As nossas boas obras são, pois, fruto da fé que opera pela caridade, em correspondência ao amor misericordioso do nosso Deus. Esse agir bom, as boas obras, são a manifestação visível da nossa condição de filhos de Deus em Cristo.

IV. “Deus enviou Seu Filho ao mundo para que o mundo seja salvo por Ele” (Jo 3,17). 

Na reflexão da semana passada eu observava que, para aqueles que se esforçam por cumprir os Mandamentos a misericórdia é incomparavelmente maior do que a justiça pela qual é castigado o que rompe a Aliança. Deus é realmente o Pai das misericórdias. Assim as orações e leituras desta Santa Liturgia colocam mais uma vez em evidência o paradoxal modo de atuar de Deus. Ele não se volta contra nós quando o abandonamos. Antes permanece atento aos nossos clamores para nos salvar tão logo lhe dirijamos nossas súplicas. Contudo a ação redentora de Deus não prescinde do necessário nexo entre a misericórdia e o mistério da Cruz.

A serpente de bronze levantada no deserto, esse gesto não destituído de mistério, se ilumina quando dele se percebe a intenção profética. Era imagem do Filho do homem elevado no madeiro da Cruz, do Filho que Deus ofereceu em sacrifício à humanidade para que fosse curada da mordida mais venenosa e letal: a mordedura do pecado. Mas o Evangelho deixa claro nas palavras do Senhor que para ser curado é necessário o ato de fé.

A fé não se reduz à mera confiança, é uma comunhão real com Jesus Cristo crucificado.
Para quem fica à procura de algum ‘sinal’ que toque a sua mente e o seu coração, este evangelho nos recorda que “o único ‘sinal’ é Jesus elevado na Cruz: Jesus morto e ressuscitado é o ‘sinal’ absolutamente suficiente. Nele podemos compreender a Verdade da vida e obter a salvação. Este é o anúncio central da Igreja, que permanece inalterável nos séculos. Por conseguinte, a fé cristã não é ideologia, mas encontro pessoal com Cristo Crucificado e Ressuscitado” (Bento XVI, Homilia 26-III-2006).

Por isso, caríssimos, é bom que tenhamos presente que a relação com a Cruz não é opcional, Deus não a deixou à liberdade do homem. Esta relação – convém remarcar sempre – é rigorosamente necessária (Innos Biffi).

A nossa alegria, dizia São Josemaría Escrivá, tem raízes em forma de cruz. Aproveitemos, com o auxílio da Virgem Mãe de Deus, o tempo de quaresma que nos resta para uma penitência que consista em fazer bem feito agora o que devemos fazer sempre (S. Leão Magno).

Amigos e irmãos caríssimos: voltai o olhar para Cruz e Laetare! Alegrai-vos! Apressemo-nos unidos ao encontro das festas que se aproximam, ao encontro do Senhor.

Diocese de Itumbiara
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A Diocese de Itumbiara foi criada no dia 11 de outubro de 1966, pelo Papa Paulo VI, desmembrada da Arquidiocese de Goiânia; seu território é de 21.208,9 km², população de 286.148 habitantes (IBGE 2010). A diocese conta 26 paróquias, com sede episcopal na cidade de Itumbiara-GO.

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